COMARCA DE SÃO PAULO
FORO CENTRAL - FAZENDA PÚBLICA/ACIDENTES
5ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA
VIADUTO DONA PAULINA, 80, São Paulo - SP - CEP 01501-908
SENTENÇA
Processo nº: 053.09.035111-0 - Mandado de Segurança
Impetrante: Associação dos Oficiais da  Policia Militar do Estado de São Paulo
Impetrado: Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Kenichi Koyama.
VISTOS.
Cuida-se de mandado de segurança  impetrado por ASSOCIAÇÃO DOS OFICIAIS DA POLICIA MILITAR DO ESTADO DE  SÃO PAULO, parte qualificada na inicial em face de suposto ato coator de  SECRETÁRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, sustentando que  o impetrado atribuiu à competência para elaboração dos termos  circunstanciados exclusivamente aos Delegados de Polícia, discordando do  que determina o artigo 69 da Lei 9.099/95. Em face disso se pede a  concessão da liminar para que seja suspenso o ato concreto e imediato  previsto no artigo 1º, caput, e seu parágrafo único, da Resolução 233  SSP de 2009, anulando a citada Resolução.
Foi indeferida a liminar, decisão da qual resultou agravo de instrumento.
Notificada, a impetrada apresentou informações, com preliminar de  ausência de direito líquido e certo, com ausência de prova de  representação. No mérito, alegou que se trata de atuação integrada e  harmônica entre as Polícias, já que a Resolução ora impugnada  estabeleceu tarefas para as duas Polícias, havendo competências  distintas em obediência à Constituição Federal. Requereu ao final o  indeferimento da petição inicial ou a carência da impetração ou ainda  fosse denegada a segurança.
O MINISTÉRIO PÚBLICO opinou pela denegação da ordem.
Relatados. FUNDAMENTO e DECIDO.
Inicialmente situo o tema. Vale lembrar que o mandado de segurança é criação do direito nacional, sem paralelo no direito comparado, ainda que se assemelhe ao juicio de amparo do direito mexicano aos writs do direito anglo-americano. Entre nós,
‘Mandado de segurança é o meio  constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica,  órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei,  para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não  amparado por hábeas corpus
ou hábeas data, lesão ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja  de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art.  5º, LXIX e LXX; Lei n. 1.533/61, art. 1º)1″.
GREGÓRIO ALMEIDA classifica o mandado de segurança como tutela jurisdicional diferenciada em procedimento sumaríssimo especial de tutela de urgência com técnica de cognição judicial verticalmente exauriente secundum eventum probationis2. Em que pese a inegável abrangência, notadamente porque se cuida de writ constitucional residual, não se permite interpretação tão ampla que destoe das finalidades precípuas gestadas sob a concepção do mandado de segurança. Para tanto, é de rigor antes de avançar sobre a questão de fundo, apreciar as várias preliminares defendidas nas informações.
DAS PRELIMINARES DE MÉRITO.
Fala-se em ausência de direito líquido e  certo. É seguro dizer que o direito líquido e certo, líquido na sua  extensão e certo quanto à sua natureza seja mérito ínsito ao próprio  mandado de segurança, dependente da apreciação da prova pré-constituída  trazida com a peça inicial. Nesse sentido, reputo haver confusão com a  própria questão de fundo, não merecendo análise isolada.
Fala-se em defeito de representação por ausência de ata de assembléia.
Conforme ensinam NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY,  compilados por ALEXANDRE DE MORAES: “Embora o texto constitucional fale  em representação, a hipótese é de legitimação das associações para a  tutela dos direitos individuais de seus associados, configurando  verdadeira substituição processual (CPC, art. 6º) (Barbosa Moreira, RP  61/190). A autorização pode estar prevista em lei, nos estatutos, ser  dada pelos associados, individualmente ou ocorrer em assembléia. Havendo  urgência pode a associação ajuizar a demanda desde logo, providenciando  posteriormente a autorização exigida. O associado pode fazer parte da  coletividade titular do direito (coletivo ou difuso) ou ser o titular  mesmo do direito (individual). Em qualquer das hipóteses pode a  associação, em nome próprio, defender em juízo o direito de seu  associado (Celso Bastos. Coment. 2o, 113). Entendendo prestar-se a norma  para a tutela de direitos coletivos da categoria e individuais de seus  membros, mas não para direitos difusos, Grinover, RP 57/1000. (NERY JR.,  Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código… Op. cit. p. 135)”.  (”Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional” - Ed.  Atlas - 6a ed. - p. 265). Assim, desnecessária autorização expressa  quando existe previsão no estatuto, a teor do artigo 2º, inciso V, do  Estatuto da Associação dos Oficiais de Polícia Militar do Estado de São  Paulo, sob pena de fragilização do já determinado pela Constituição  Federal3.
DO MÉRITO. LEGITIMIDADE.
LAVRATURA E TIPIFICAÇÃO.
Cuida-se nos autos de debate sobre a legalidade da Resolução SSP 233, de 09 de setembro de 2009, editada pelo Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo que determinou na parte final do artigo 1º à autoridade policial da Delegacia de Polícia da respectiva circunscrição onde se houve supostamente tomado conhecimento de infração de menor potencial ofensivo legitimidade para tipificar o fato penalmente punível em contraposição com o disposto no artigo 69 da Lei 9.099/95. Situo o tema. A Lei dos Juizados Especiais assim dispõe:
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
A polêmica sobre o tema não é nova e se  dá justamente pela ausência de apontamento expresso sobre “autoridade  policial”, se exclusivamente civil, se também militar.
Por um lado é absolutamente inconteste e creio não existir maior  indagação que o dispositivo seguramente tem um núcleo duro do qual não  pode existir qualquer interpretação divergente, na qual se tem por  cediço que na locução “autoridade policial” é absolutamente impossível  subtrair a presença da polícia judiciária, por outro lado, não é  possível de pronto interpretar pela ilegalidade da lavratura pela  Polícia Militar. Realço, nesse ponto, apenas que inviável decotar a  legitimidade da polícia judiciária como mínima destinatária do artigo em  comento. Nessa base, a dúvida que se impõe é justamente o alcance de  “autoridade policial”, controvertendo jurisprudência e doutrina se ali  se alcança também a polícia ostensiva preventiva a cargo dos Policiais  Militares.
De um lado é certo que já se dissipou o impacto inicial sobre a  legitimidade para lavratura de infração de menor potencial ofensivo,  porque no julgado tomado no C. Supremo Tribunal Federal nos autos da  Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.862/SP,
ainda que não conhecida  dada a inadequação da via pra pronunciar constitucionalidade de atos  normativos secundários, afastou-se em caso de superação da preliminar a  pecha de inconstitucionalidade material, seja por suposta invasão das  competências legislativas privativas, seja por contrariar os parágrafos  do artigo 144, concluindo na discussão pela possibilidade de policiais  militares encaminharem termo circunstanciado de ocorrência para a  polícia judiciária. A conclusão somente não foi cristalizada pelo  acolhimento da preliminar, mas tal não desautoriza as lições ali  lançadas. Seja como for, em São Paulo, dentro do que este juízo tem  notícia, foram elaborados atos normativos estaduais que atribuíam à  Polícia Militar a possibilidade de elaborar termos circunstanciados, a  saber Provimento 758/2001, consolidado pelo Provimento n. 806/2003, do  C. Conselho Superior da Magistratura do E. Tribunal de Justiça de São  Paulo, e Resolução SSP n. 403/2001, prorrogada pelas Resoluções SSP ns.  517/2002, 177/2003, 196/2003, 264/2003 e 292/2003, da Secretaria de  Segurança Pública do Estado de São Paulo, agora revogadas por novidade e  incompatibilidade com a Resolução SSP 233/09.
É seguro dizer à teor do v. Acórdão do C. Supremo Tribunal Federal e  mesmo dos atos normativos secundários editados no passado neste Estado  que o reconhecimento da possibilidade de lavratura dos termos  circunstanciados não se traduz diretamente em direito líquido e certo e  obrigatoriedade da continuidade do regime jurídico até então adotado. O  julgado a rigor sugere legalidade à prática mas não dissocia se a  situação é discricionária ou de aplicação textual. Sob esse panorama, a  indagação que se impõe é justamente se a resolução recente poderia  revogar os textos anteriores.
A análise do artigo 144 da Constituição Federal4 não parece trazer a  primariamente a solução, consoante externado no debate em C. Supremo  Tribunal Federal. Do texto é possível de início apenas extrair que às  Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem  pública, mas ao mesmo tempo, como nem poderia deixar de ser, não  esclarece se a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência seria  ato privativo dos delegados de polícia. É certo e não passa despercebido  que as atividades de polícia judiciária são de responsabilidade da  Polícia Civil, mas ao mesmo tempo, impossível deixar de lado que a  lavratura objeto da Resolução 233/2009 não se refere a ato de  investigação, como já advertido pelo C. Supremo Tribunal Federal. Assim,  impossível do preceito extrair segura resposta.
Com efeito, a solução da demanda no sentir do Juízo, e desde logo  respeitadas as opiniões contrárias, não advém expressamente da  Constituição da República ou diretamente do texto do artigo 69 da Lei  9.099/95, mas dos elevados princípios explícitos e implícitos que a  orientam, e que inclusive serviram de embasamento para os julgados que  reiteradamente reconheceram a validade do termo circunstanciado de  ocorrência quando lavrado pela Polícia Militar. Dispõe o artigo 2º da  Lei 9.099/95:
Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
É de se realçar notadamente os princípios da simplicidade e da informalidade, princípios que orientam o microssistema dos juizados especiais, cuja criação é missão constitucional que mereceu referência no artigo 24, inciso X, e artigo 98, inciso I, ambos da Constituição Federal. Por tais princípios vislumbro a razoabilidade da interpretação dada pela impetrante, quando sustenta à luz do debate tecido pelo C. Supremo Tribunal Federal, que não havendo de se falar em investigação, possível a simplificação e informalização da lavratura do termo circunstanciado de ocorrência como verdadeira medida de concretização do ideal constitucional de juizado especial criminal. Isso porque a mens constitucional garante tamanho prestígio aos juizados especiais que não pode ser outra a interpretação que não a facilitação do ideal maior. Significa dizer, considerando a missão que o poder constituinte imputou sobre a Justiça através dos juizados especiais cíveis, criminais e da fazenda, seria inconstitucional sua restrição à míngua de texto suficiente e razoável. Na espécie, a proposta trazida pela impetrante na esteira inclusive de experiência concreta anterior em nada macula a premissa constituinte, mas ao contrário, prestigia dentro do próprio bojo de regras constitucional e legal. Sob esse aspecto, reputo que a Resolução 233/2009 implica arrefecimento dos alicerces já construídos por normas de nível superior. Incompatibilidade vertical. Não parece ter sido outra a interpretação do A. Conselho Superior da Magistratura, consoante Provimento 758, de 23 de agosto de 2001:
O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA,  no uso de suas atribuições legais, (…) CONSIDERANDO os princípios  orientadores do procedimento do Juizado Especial Criminal, que são a  oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a  celeridade, (…) Artigo 1º - Para os fins previstos no art. 69, da Lei  9.099/95,entende-se por autoridade policial, apta a tomar conhecimento  da ocorrência, lavrando o termo circunstanciado,  encaminhando-o,imediatamente, ao Poder Judiciário, o agente do Poder  Público investido legalmente para intervir na vida da pessoa natural,  atuando no policiamento ostensivo ou investigatório.
Artigo 2º - O Juiz de Direito, responsável pelas atividades do Juizado, é  autorizado a tomar conhecimento dos termos circunstanciados elaborados  pelos policiais militares, desde que assinados concomitantemente por  Oficial da Polícia Militar. (…)
A arrematar a questão, a essa orientação  é possível então somar parágrafo 7º, do artigo 144 da Constituição da  República, agora sob o lume do panorama geral.
Dispõe-se ali que “A lei disciplinará a organização e o funcionamento  dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a  eficiência de suas atividades”. Nessa base, considerando que a  interpretação constitucional e legal das normas reguladoras dos juizados  especiais criminais - que já admitia a lavratura do termo  circunstanciado de ocorrência pela polícia militar, desde que assinado  concomitante com Oficial da Polícia Militar - somente Lei poderia  re-organizar a hipótese, disciplinando organização e funcionamento dos  órgãos policiais e suas atuações nessa fase preliminar de juizados  especiais criminais. Significa dizer, considerando que a conclusão  tirada que reconhecia legitimidade à Polícia Militar se pautava pela  Lei, somente por Lei haveria possibilidade de modificação da organização  policial.
Portanto, sem razão a autoridade impetrante.
Apenas para não passar à margem, ainda de rigor observar que não  obstante trazer expressa em suas considerações as divergências dos autos  e o entendimento defendido pela autoridade, a Resolução SSP 233/09, se  de um lado, apontou o alcance territorial limitado da Resolução SSP  329/03, tanto quanto, considerou a legitimidade restrita de lavratura da  Polícia Militar quanto à gama das infrações de menor potencial  ofensivo, assim como os crescentes atritos no relacionamento das  polícias e enfim, a competência para, no âmbito interno da Segurança  Pública, organizar-se os serviços de seus órgãos e agentes, prestigiando  a legal repartição de funções, também de outro lado trouxe à tona o  desejo de,
(…) cumprimento aos princípios constitucionais da eficiência e da legalidade, [em razão do qual] devem os órgãos policiais desempenhar suas funções com estrita obediência às atribuições rigidamente fixadaspelo artigo 144 da Constituição Federal;
O intento de eficiência e legalidade é norte que permeia a todo o Estado Democrático de Direito, e em si não esgota os estudos. No entanto o “considerando” sugere alguma contradição em seus termos, ao menos no sentir do juízo. Afinal, a idéia da eficiência e da legalidade merecem interpretação maior do que a conclusão tirada pela resolução. A eficiência enquanto compromisso com o resultado da pacificação social é princípio que na hipótese concreta aproxima-se seguramente da ampliação da interpretação de “autoridade policial”, na medida em que a partir de interpretação lógica, ter-se-ia maior resultado quanto maior o número de policiais legitimados para sua lavratura. A interpretação que ora empresto à legalidade também não resulta solução distinta. A obediência ao governo da lei não parece autorizar na falta de limitação legislativa expressa, sobretudo à luz do direito fundamental de segurança, insculpido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, da informalidade e da celeridade, interpretar restritivamente ou decotar parte do alcance possível do artigo 69 da Lei Federal 9.099/95, desguarnecendo ao menos abstratamente parte dos legitimados para conhecimento e lavratura do termo circunstanciado de ocorrência. Nesse ângulo, contraditória a resolução.
Isso posto, CONCEDO  A SEGURANÇA EM PARTE para anular a Resolução SSP 233/2009, permanecendo  a necessidade de de assinatura concomitante de Oficial da Polícia  Militar. Oficie-se-lhe.
Custas e despesas na forma da Lei.
(…)
São Paulo, 15 de julho de 2010.
Kenichi Koyama
Juiz(a) de Direito
NOTAS
