07/01/2007

Interessantes ponderações.

"UMA REFLEXÃO SOBRE A POLÍCIA JUDICIÁRIA
por Estanislau Robalo

Há anos o Brasil vem sofrendo um processo de esgarçamento no seu sistema de segurança pública. Os órgãos responsáveis pela contenção da violência social não estão mais conseguindo manter a criminalidade em níveis suportáveis pela sociedade, o que leva a instabilidade coletiva, principalmente porque os criminosos dão a impressão que estão bem mais organizados para delinqüir do que o Estado para prevenir e reprimir as ações dessas pessoas e organizações, que fazem do crime suas profissões.
Já se disse, alhures, que a quantidade de segurança pública não se mede pelo número de pessoas que a polícia prende ou mata, nem pela eficiência dela no esclarecimento dos crimes e, tampouco, pela produção de inquéritos remetidos à justiça, mas sim pela qualidade do serviço de prevenção às condutas anti-sociais, que fomentam a sensação de insegurança do corpo social. Afinal, o Estado não pode ser eficiente na punição e deficitário na prevenção, pois no momento em que o crime acontecer, em que for consumado, o Estado já falhou na sua missão preventiva. O rápido esclarecimento da autoria não devolve à vítima o status quo de antes da ação criminosa ser consumada. Temos que considerar ainda, que a falha na prevenção vai projetar na vítima ou nos seus familiares um dano psicológico que os acompanhará pelo resto da vida. Não podemos esquecer ainda que segurança pública, apesar de ser dever do Estado, é também responsabilidade de todos e de cada um de nós. Portanto, cada pessoa é responsável pela pacífica convivência social, através da preservação da ordem pública in-terna, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, nos termos da Constituição Federal. É lógico que nossa responsabilidade pela segurança coletiva deve ser exercida dentro da ordem legal. Não implica isso, que cada pessoa se arvore na função de policial e saia pelas ruas cumprindo o papel ostensivo da polícia preventiva. Mas sim, de interagir com os órgãos do sistema de segurança pública, contribuindo na construção de políticas preventivas, capazes de reduzir a incidência da criminalidade. Participar do planejamento das ações da polícia, nas definições das estratégias que devem adotar para atingir as metas estabelecidas a curto, médio e longo prazo e, finalmente, acompanhar a implementação das políticas estabelecidas, contribuindo na análise dos resultados e nos ajustes necessários para que sejam alcançados os objetivos colimados. Só com a participação coletiva é que nós vamos construir uma segurança pública de todos e para todos, uma segurança cidadã como defende o professor Cezar Honorato - Presidente do Observatório Urbano Estado do Rio de Janeiro. O avanço da criminalidade não é uma peculiaridade brasileira, é um fenômeno, se assim podemos definir, de ordem mundial. Antes mesmo da globalização da economia, o crime, que não depende de convenções ou tratados, já estava globalizado. Portanto, a reflexão a ser feita acerca desse fato social, a nosso juízo, deve ser de forma sistêmica. Precisamos enxergar o todo para atingir a parte que podemos neutralizar. A Constituição Federal define com precisão os papéis das polícias estaduais, cabendo às polícias militares o trabalho ostensivo e preventivo da ordem pública, e às polícias civis o trabalho de polícia judiciária na apuração de infrações penais por meio de investigação. Agora, em face do aumento da criminalidade nos municípios brasileiros, as guardas municipais começam a aparecer ocupando um espaço nada desprezível no cenário da segurança pública, restando apenas às autoridades definir em que áreas e quais os limites de competência das guardas na prevenção das condutas anti-sociais. Apesar de a Constituição Federal definir a função de polícia judiciária à polícia civil e ostensiva à militar, não o faz de forma exclusiva. Isto é, a repressão e a investigação do crime não são privativas da polícia civil, nem tampouco a atividade ostensiva e preventiva é uma função que deva ser exercida exclusivamente pela brigada militar. Há, portanto, um sinergismo na atuação desses dois órgãos que, na verdade, deveriam ser unificados. Em certas circunstâncias, tanto a polícia civil atua na prevenção quanto a polícia militar na repressão do crime. Assim, constata-se a dupla função das polícias civil e militar. Em seus comentários, o jurista Pinto Ferreira dá total visibilidade à dupla função da polícia civil, afirmando que sua função administrativa aparece quando ela 'assegura a ordem pública, buscando impedir ou impedindo a prática de um crime, com uma atuação preventiva', e na função judiciária, 'atuando depois do crime, ela é repressiva, colhe ou coleta os elementos do crime, para permitir a fundamentação da ação penal'. Já o mestre Álvaro Lazzarini, destaca a função repressiva da polícia militar que se dá quando ela age no instante ou imediatamente após ter ocorrido o delito, 'sem violação do dispositivo constitucional, pois quem tem a incumbência de preservar a ordem pública, tem o dever de restaurá-la, quando de sua violação', afirma o referido mestre. Estamos conduzindo nossa reflexão sobre o avanço da criminalidade na tentativa de identificar alguns problemas afetos à polícia judiciária, tendo como paradigma o pensamento do professor José Luís Cardoso Zamith - Pesquisador do Núcleo de Estudos de Justiça e Segurança da EBAPE/FGV, de que 'o problema da segurança pública não é de polícia, e sim de gestão'. Temos, porém, que ressaltar que até bem poucos anos a sociedade não reconhecia a existência e nem o papel que a polícia desempenhava na vida social. Basta ver que o primeiro seminário brasileiro para se discutir o papel da polícia judiciária aconteceu em novembro de 1989, na Faculdade de Direito da USP. Isso revela que os pensadores ignoravam o papel social da polícia. Marginalizada, a instituição não se preocupou em se modernizar, investir em inteligência para fazer frente à evolução do crime. Assim, continuou utilizando empíricos métodos de trabalho, que raramente passam de 'um conjunto de intervenções policiais, reativas e fragmentárias, determinadas pelas tragédias cotidianas', como sustenta o sociólogo Luiz Eduardo Soares. Nesse contexto, para o bom desempenho do seu mister, a polícia judiciária enfrenta problemas de ordem estruturais, materiais e humanos. Ela trabalha em estruturas anacrônicas, com muitos equipamentos obsoletos e com um efetivo muito aquém do necessário. Carece de liderança e de uma equipe pensante dentro da própria polícia, que conduzam às renovações recomendáveis. Não dispõe de um moderno setor de inteligência que lhe permita detectar, com antecedência, qualquer plano de conduta anti-social, monitorá-lo e evitar que a ação criminosa se consuma. Além da falta de liderança e de pensadores, a polícia judiciária não conta com uma área de recursos humanos, tão valorizados na iniciativa privada. Mas não é só. A carreira policial também é desestimulante por ser constituída de três sistemas: investigador, escrivão/inspetor e delegado. Quem ingressar na polícia como agente sabe que jamais sairá dessa condição, a não ser que estude e passe no concurso para delegado. Nos países desenvolvidos, todo policial inicia a carreira fazendo policiamento de rua, mas sabe que, dependendo de suas habilidade, pode chegar ao comando geral da polícia. Aqui isso é impossível. Em se tratando de vencimentos, há uma discrepância abissal e insuportável, pois um delegado em fim de carreira pode ganhar até quinze vezes o que uma agente em início de carreira ganha. Olhando por esse ângulo, o pesquisador Romeu Karnikowski visualiza, de um lado, um processo de elitização na carreira dos delegados, e do outro lado, a precarização na carreira dos agentes. Como se tudo isso não bastasse, a polícia judiciária não faz estudo das estatísticas que dispõem, o que lhe permitiria conhecer bem o perfil dos criminosos e das vítimas para elaborar um plano de trabalho, nem tampouco conta com um moderno sistema de comunicação, que facilitaria a interação entre os diversos órgãos da mesma instituição, otimi-zando o serviço e tornando-a mais ágil e eficaz. Finalmente, a grande maioria das polícias judiciárias não dispõe de uma assessoria de controle e aperfeiçoamento da atividade policial, como instituiu o delegado de polícia Milton Watanabe Tocikazu, Diretor-Geral da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, responsável pela realização de treinamento e atualização, visando o aperfeiçoamento, reciclagem e garantindo a constante modernização dos métodos de trabalho. Afinal, tudo isso é fonte de desestímulo dos profissionais da polícia judiciária, inclusive pela ação das corregedorias que, ao invés de fazer um diagnóstico interno para descobrir onde os policiais estão errando e corrigi-los, cumpre apenas o papel de órgão repressivo e disciplinador. Aliás, segundo a psicóloga Nancy Cárdia, coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, na polícia do Brasil 'não se percebe nenhuma mudança nos últimos 100 anos', o que é lamentável. Na outra ponta da questão vamos nos deparar com a incapacidade de gestão na polícia judiciária. Essa incapacidade se revela pela dificuldade que os responsáveis pela administração da polícia têm em trabalhar com estatísticas. Apesar de dispor do melhor banco de dados sobre a violência e criminalidade, os administradores da polícia judiciária demonstram inabilidade para analisá-los e, a partir das análises, elaborar planos de ações. Dentro desse contexto, percebe-se que a polícia civil precisa de pessoas comprometidas com a modernização da polícia e qualificadas em gestão administrativa para gerir os recursos disponíveis, através de projetos focados em melhor resultados para a sociedade e com reflexos positivos para a instituição. Para tanto, os administradores da polícia civil devem começar por fazer um preciso diagnóstico para identificar as vulnerabilidades e os pontos fortes da instituição. A partir daí, elaborar um plano de ação capaz de corrigir as vulnerabilidades e reforçar o que está funcionando bem. Todavia, os administradores da polícia não demonstram essa preocupação. Daí porque, a polícia judiciária não se preocupar com a elaboração de um bem elaborado planejamento de ação, com estratégias claras e metas bem definidas, a serem atingidas a curto, médio e longo prazo. Um planejamento que conte com a participação da sociedade e quadro funcional, a fim de comprometê-los com o resultado. Um planejamento participativo, com prévio diagnóstico e formulação de soluções inovadoras e arranjo de implementação em rede. estabelecendo uma metodologia de trabalho voltada para o resultado. Como a polícia judiciária não opera de forma padronizada nem conta com uma metodologia de trabalho, atuando sempre ao sabor dos acontecimentos, talvez, por isso, não elabora um plano de gestão que contemple suas reais necessidades. Por isso, somos da opinião que se deve criar um corpo de gestores dentro dos quadros das polícias judiciárias, compostas por administradores não integrantes da carreira, para administrá-la, tendo em vista que os delegados de polícia, atuais responsáveis também pelo comando administrativo da polícia, já revelaram que não têm qualificação para tal desiderato. A formação deles é de policial e não de gestores. Portanto, é uma heresia os governantes mantê-los no comando administrativo das polícias, pois é evidente que eles não têm o perfil de gestor. Quem sabe a solução está na quebra de paradigmas?".

ESTANISLAU ROBALO, policial civil, Especialista em Segurança pela FSG-RS e estudioso dos problemas ligado à segurança pública em Caxias do Sul, RS.
Texto disponível em http://segurancaeriscos.blogger.com.br/.

E por falar em quebra de paradigmas, vale lembrar o a EC n.º 035/2005.
Ressalte-se que estados como SP, RS, PE e SC já conferiram autonomia às suas polícias técnicas.

"EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 035, DE 2005

ACRESCENTA PARÁGRAFO AO ART.183 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
D E C R E T A:
Art. 1º - Acrescenta ao art. 183 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro o seguinte parágrafo:

'§ 5º - Lei específica definirá a organização, funcionamento e atribuições do órgão responsável pelas perícias criminalística e médico-legal, que terá organização e estrutura próprias'.

Art. 2º - Esta Emenda Constitucional entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 14 de dezembro de 2005.

DEPUTADO JORGE PICCIANI
Presidente".

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