"Uma história do Rio de Janeiro
Por Gustavo de Almeida
A história já tem quase dois anos. É antiga, aconteceu em 3 de novembro de 2006. Mas na época, pouco se falou ou divulgou.
Por Gustavo de Almeida
A história já tem quase dois anos. É antiga, aconteceu em 3 de novembro de 2006. Mas na época, pouco se falou ou divulgou.
Aconteceu em Ipanema. Na Rua Vinícius de Moraes, de madrugada. Dona Célia Macedo estava em seu apartamento de quatro quartos, bem perto da praia, quando seu marido João Rodrigues, de 77 anos, começou a passar mal. Por sorte (ou azar, como se verá mais à frente), as duas filhas de dona Célia estavam em casa, tinham chegado de uma viagem a Miami. O filho mais velho, Bruno Ribeiro, também estava em casa. Os três filhos começaram a socorrer o pai, colocaram-no em uma cadeira de rodas e começaram a descer com o pai. Bruno não dirigia carro, o único que tinha carteira era o pai, João, portanto eles teriam de arrumar um táxi para todos irem à Clínica São Vicente, na Gávea.
Bruno teve a idéia de pegar uma moto e ir até a Praça Nossa Senhora da Paz para tentar arrumar um táxi. Ele usava a moto para ir à Prainha surfar. De repente, Bruno encontrou seu amigo David Chagas, que voltava de uma festa, passando em frente, na rua. Pediu ajuda a ele.Os dois saíram juntos da Vinícius de Moraes e foram até a praça e começaram a sinalizar por um táxi.Um motorista parou, ouviu o relato e concordou em buscar o pai de Bruno. David entrou no táxi e Bruno foi colocar cadeado na moto em um poste na praça, já que achava melhor ir com o pai até a Clínica dentro do táxi mesmo.
Um policial, no entanto, abordou Bruno neste momento, apontando-lhe um fuzil. O susto fez com que o policial desse cinco tiros no peito e no pescoço do jovem, matando-o instantaneamente. Seu corpo tombou ali mesmo, na Nossa Senhora da Paz.
Dentro do táxi, David viu outro policial chegar e se dirigir ao corpo baleado. A dupla viu o táxi e imediatamente mandaram David sair do carro e se jogar ao chão. O taxista, apavorado, explicou que não era nada de irregular, que os dois jovens de classe média alta estava querendo socorrer o pai de um deles que passava mal. David tremia da cabeça aos pés. Provavelmente a iniciativa do taxista salvara sua vida.
Os policiais colocaram o corpo de Bruno dentro da viatura e, com David ao lado, seguiram para a Clínica São Vicente.
Enquanto essa ação acontecia, dona Célia e as filhas já tinham conseguido, pelo telefone, um outro táxi para irem à mesma clínica. Mas Seu João, ao chegar lá, não resistiu e faleceu. O filho, Bruno, lá chegou morto.
Enquanto Seu João morria, dona Célia e as filhas nem faziam idéia de que Bruno estava dando entrada no mesmo hospital já morto, com vários tiros de fuzil no corpo.
Pai e filho morreram quase ao mesmo tempo. Sem que um pudesse chorar pelo outro.
Sim, a história é metade ficção, metade realidade. As mortes e as lágrimas aconteceram mesmo. Mas não foi em Ipanema, na Praça Nossa Senhora da Paz, e sim na Favela do Jacarezinho, na Rua Viúva Cláudio. E a família não morava na Rua Vinícius de Moraes, e sim na Rua João Alberto.
Bruno não usava a moto para ir à Prainha surfar, e sim para entregar pizza.A emergência não era a da Clínica São Vicente, e sim a do Hospital Salgado Filho.
Você suspirou de alívio? Se sim, é porque estamos sem soluções. Nossa 'solução' é a polícia pessimamente paga, colocada dentro de uma favela em que o risco é total, de todos os lados. Nossa 'solução' é o apartheid social, é o extermínio pura e simples. Se este adiantasse, talvez eu até apoiasse. Mas se mata, mata, mata inocentes e nós, daqui da Rua Vinícius de Moraes, continuamos morrendo, vítimas dos traficantes e assaltantes alucinados.
Você suspirou de alívio? Se sim, é porque estamos sem soluções. Nossa 'solução' é a polícia pessimamente paga, colocada dentro de uma favela em que o risco é total, de todos os lados. Nossa 'solução' é o apartheid social, é o extermínio pura e simples. Se este adiantasse, talvez eu até apoiasse. Mas se mata, mata, mata inocentes e nós, daqui da Rua Vinícius de Moraes, continuamos morrendo, vítimas dos traficantes e assaltantes alucinados.
No meio do confronto, da guerra insana, famílias ricas e pobres. Nos chocamos mais quando as ricas morrem, claro. Mas faz parte da nossa visão de classe média. É exatamente a mesma visão que acha normal policial ganhar 900 reais para morrer, é exatamente a mesma visão que considera que a favela é local de matança, é a mesma visão que considera o marginal de fuzil um 'excluído' que tem de ser recuperado.
Trata-se da visão ideológica e seletiva que o debate de Segurança Pública no nosso país adotou. Os lados conflitantes procuram estabelecer os pontos de vista com receitas mágicas.
A verdade respira com ajuda de aparelhos - mas se chegarmos perto, ela tem a cara do Estado. O Estado forte, consolidado, com presença em todos os territórios, na forma de agentes bem-pagos e formados com excelência. Um Estado que extirpa a própria corrupção, para que o dinheiro público seja aplicado no que a população precisa: policiais, professores e médicos de primeiro mundo.Um Estado que zele pela vida.
Esta verdade não tem e nem quer ter dono. Esta verdade quer apenas ser vista.Sem que seja preciso que ela esteja em Ipanema ou no Jacarezinho.
Gustavo de Almeida
Jornalista
A SOLUÇÃO, PRA COMEÇAR, É PUNIR COM PRISÃO PERPÉTUA OU PENA DE MORTE OS POLÍTICOS CORRUPTOS.
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