Pediram-me para contar os meus desejos...
Que eu dissesse os meus sonhos, para a escola do meu filho...
Os antigos acreditavam que as palavras eram seres encantados, taças mágicas, transbordantes de poder. Os jovens também sabiam disto e pediam:
- A sua benção, meu pai...
Benção, bendição, bendizer, bem-dizer, benzer, dizer bem...
A palavra, dita com desejo, não ficaria vazia: era como sêmen, semente que faria brotar, naquele por ela penetrado, o desejo bom por ela invocado.
E o pai respondia:
- Meus desejos são poucos e pobres. Te desejo tanto bem que não basta o meu bem-dizer. Por isto, que Deus te abençõe. Que seja ele aquele que diga todo o bem como todo o poder...
E então, pelo milagre da fantasia, tudo se tornava possível. As palavras surgiam como cristais de poesia, magia, neurose, utopia, oração, fruição pura de desejo.
É isto que acontece sempre que o desejo fala e diz ao seu mundo. Viramos bruxos e feiticeiros e a nossa fala constrói objetos mágicos, expressões simples de amor, nostalgia por coisas belas e boas, onde moram os risos...
É só isto que desejo fazer: saltar sobre os limites que separam o possível existente do utópico desejado, que ainda não nasceu. Dizer o nome das coisas que não são, para quebrar o feitiço daquelas que são...
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Alves, Rubem. Estórias para quem gosta de ensinar, 14 ed. - São Paulo: Cortez, 1990 (polêmicas de nosso tempo,v. 9)
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