Resultado é que apenas 10% dos homicídios são elucidados
Alessandra Duarte (duarte@oglobo.com.br)
Carolina Benevides (carolina.benevides@oglobo.com.br)
Enquanto o Brasil soluciona todos os anos, em média, de 5% a 10% dos homicídios, os Estados Unidos resolvem 65% dos casos; a França, 80%; e a Inglaterra chega a uma taxa de solação de homicídios de 90%. Um dos motivos para isso é a perícia — que aqui trabalha com um déficit de pessoal estimado em 30 mil peritos, segundo a Associação Brasileira de Criminalística (ABC), representante dos peritos policiais estaduals. Além disso; o país não conta com lei federal que regulamente o modelo ou estrutura mínima para perícia nos estados. E mais: a falta de equipamentos leva a situações como o perito deixar de fazer fotos do local do crime ou tirar um raio-X para achar um projétil em um corpo; e a situação fica pior ainda por conta da não preservação do local do crime pela polícia até a chegada do perito.
Apesar desse quadro, casos com repercussão nacional como o assassinato da juíza Patrícia Acioli, no Rio, têm trabalho pericial exemplar. No caso dela, foram pericia-dos o local, o carro onde ela estava e o corpo. E analisados dados de mais de três milhões de celulares. Foi a partir desses dados que a polícia provou o envolvimento de três policiais militares e o planejamento do crime.
— Quando a máquina se esforça para funcionar, aparecem as respostas. Mas o crime envolvendo a juíza não foi tratado como mais um. O problema é fazer a máquina funcionar independente do CPF—diz Erlon Reis, da diretoria da Associação de Peritos do Rio.
— Quando vi na TV a solução para o caso da juíza, pensei: e a minha sobrinha? (A perícia) Devia funcionar para todo mundo, né? Minha família acabou, nada foi feito, ela tinha 10 anos — conta Carlos Roberto Afonso de Almeida, de 49 anos, tio de Jéssica Prisciliane Afonso Guimarães.
A menina foi vítima de bala perdida na Cidade de Deus, Rio, onde morava. Jéssica levou um tiro no pescoço em 14 de dezembro de 2006. Chegou a ser removida para o hospital e morreu no dia seguinte. A família nunca soube de onde saiu o tiro, e no inquérito muitas vezes Jéssica aparece como Jenice.
— A polícia não investigou nada. Nunca teve perícia no local. Queríamos entender o que houve, mas enterramos a menina e entregamos para Deus — conta Carlos.
O caso de Jéssica é um dos exemplos de falhas e mesmo inexistência de perícias em inquéritos de homicídios encontrados pelo GLOBO no Tribunal de Justiça do Rio. Um dos principais motivos para a situação de negligência da perícia é o déficit de pessoal. Segundo a ABC, o Estado do Rio tem previsão de 535 vagas para peritos criminais; considerando o mínimo de um perito a cada cinco mil habitantes, o estado precisaria de três mil. Alagoas e Piauí, em pior situação, precisariam ter, cada um, 600, até 30 vezes mais do que o quadro atual. Com 346 peritos, a Bahia precisaria de 2,8 mil.
Somado ao déficit, está a má distribuição dos peritos que existem. Em boa parte dos casos, estão concentrados nas capitais.
— A falta de rede integrada faz com que alguns estados tenham melhores resultados, mas nem isso é garantia de qualidade. Minas, por exemplo, tem boa estrutura para DNA forense. No entanto, um posto no interior pode ter que atender entre dez e 15 municípios — diz Edson Wagner Barroso, perito criminal no DF e ex-coordenador de perícia forense na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
"O local fala. Deve ser preservado"
• Outro motivo apontado para as falhas de perícia, a falta de isolamento dó local do crime é uma mostra da ausência de um melhor acompanhamento da perícia pela polícia.
— O Estado tem que dar condições para que existam policiais suficientes para atender a demanda. O delegado deveria comparecer a todos os locais onde houve um homicídio, mas nem sempre é possível por conta do excesso de trabalho. No entanto, o primordial é preservar o local. Se o delegado chega a um lugar mexido, ele não tem como restabelecer o quadro anterior — diz Carlos Eduardo Benito Jorge, presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil.
— O local fala. Deve ser preservado, ou não entendemos sua história. E, na hora de ir uma equipe de perícia para ele, é obrigatório ir junto pelo menos um investigador. Já estive em local de homicídio em que vi um projétil incrustado na parede que o perito tinha deixado passar — afirma Francisco Eustáquio Rabello, presidente da Adepol-MG e ex-corregedor de polícia.
Secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki diz que foram investidos, entre julho de 2010 e setembro deste ano, R$ 30 milhões na compra de equipamentos e capacitação de profissionais. Mas que agora a Senasp se prepara para criar "os primeiros padrões" para os procedimentos em caso de homicídio:
— Os EUA acabaram de lançar uma cartilha com os procedimentos. Traduzimos e vamos adaptar para a nossa realidade, ouvindo peritos, delegados, especialistas. Em parceria com os representantes dos estados, a Senasp vai criar os primeiros padrões. Vamos induzir que os estados trabalhem com esses procedimentos, para que a gente tenha robustez nas provas — diz Regina Miki, que acredita: — Com isso, a perícia será igual para todos.
De falta de material para foto a locais de crime não preservados
No Rio, inquéritos apontam falhas como perito não recolher celular da vítima
• Em dezembro de 2000, o corpo do comerciante Miguel de Castro Luiz foi encontrado numa sala comercial trancada, num prédio em Madureira, no Rio, com perfurações de faca. Seu celular estava no bolso. E a perícia não o recolheu, mostra o inquérito policial 631/2000, no Tribunal de Justiça do Rio. Não só o celular, mas outros materiais na sala, como tíquetes-refeição que a vítima negociava, foram entregues ao irmão de Luiz — pelos próprios peritos. 0 perito, diz o inquérito, "encontrou (...) um bolo de tickets (...), os quais foram repassados ao irmão da vítima".
Só um mês depois, a polícia reconheceu que precisava ter apreendido o celular, que podia revelar as últimas ligações que a vítima fez ou recebeu: "Mesmo que tardiamente, sugerimos apreensão... para exame pericial". À polícia, a mulher identificada como namorada da vítima chegou a dizer que "lamenta ter sido o local do crime liberado".
O laudo da perícia do local não fala em coleta de impressões digitais: "uma pequena sala de um prédio comercial (...) composta de dois tômodos", limita-se a descrever. E admite: "deixa o perito de anexar fotos por falta de material". Foi pedido arquivamento pelo Ministério Público.
Outro inquérito no TJ do Rio, o 4862/2004, trata de um homicídio no qual o corpo da vítima, Edmundo de Freitas, foi encontrado dentro de um bar, no bairro do Encantado. Dessa vez, a perícia do local não incluiu nem a descrição do interior do bar, só da rua. Também houve pedido de arquivamento.
— Não tenho dúvida de que a impunidade no Rio se dá pela falência da perícia — diz o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ). — A investigação praticamente inexiste, só se prende em flagrante.
(Extrato de elucidativa matéria publicada no Jornal O Globo em 25/09/11)
O RJ é um dos únicos estados em que o Perito ainda é subordinado ao Delegado!
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