23/01/2012

De quem é a culpa?

"Delegada se envolve em confusão em blitz da Lei Seca na Barra da Tijuca
Tenente da PM foi agredido e precisou algemar delegada antes de levá-la à 16ª DP (Barra da Tijuca)"


"Rio - A delegada Daniela Rebelo, da 19ª DP (Tijuca), se envolveu em uma confusão por volta das 2h30 da manhã deste domingo, na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, Zona Oeste. Ela trafegava na via, na altura do número 1.800, em seu veículo Kia Sportage, quando, ao avistar o balão da operação Lei Seca, parou entre a blitz e a primeira viatura da Polícia Militar que dava apoio à operação. De acordo com o tenente Bernard Guiseppe Barbosa Biggi Carnevale, abordada, a delegada deu uma "carteirada", se descontrolou, e arranhou o pescoço dele. "


Fonte: O Dia online, 22/01/12 1509 h

"Rio - A Polícia Civil emitiu nota neste domingo sobre a confusão envolvendo a delegada Daniela Rebelo, da 19ª DP (Tijuca), durante operação Lei Seca, nesta madrugada, na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, Zona Oeste. De acordo com o comunicado, o tenente da Policial Militar Bernard Guiseppe Barbosa Biggi Carnevale irá responder pelos crimes de abuso de autoridade e lesão corporal por ter prendido a delegada com algema.".



Não me refiro ao fato amplamente noticiado, pois é apenas mais uma representação emanada  das estruturas de poder e de submissão artificialmente fundamentadas, mas ainda vigentes no Rio de Janeiro.

Claro que poderíamos aqui pontuar diversos atores com maior ou menos culpa, ou melhor, responsabilidade por sua mantença, mas acredito que no fundo todos eles conheçam seu quinhão  por omissões ou, pior ainda, por ações destinadas a tal mister.

Fato é que não há impedimento legal previsto na legislação processual do Brasil para que integrantes da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro ou quaisquer outros cidadãos reportem diretamente ao Ministério Público ou mesmo ao Poder Judiciário relatos de ocorrências que comportem indícios bastantes de materialidade e autoria.

Por que razão no Rio de Janeiro, ressalvadas ações pontuais - rapidamente fulminadas -, ainda subsiste a "reserva de mercado" dos delegados de polícia civil, restando a todos os demais operadores do direito integrantes da carreira policial atuação compatível com épocas outras, anteriores ao ordenamento constitucional ora vigente?


(Charge - Jornal O Malho, década de 1930)

Quem ganha com a preservação de tal estado de coisas?
Quem perde?

P.S.

Contrariamente ao que vem sendo alardeado, é claro, por parte de delegados de polícia civil, o uso de algemas contra quem quer que seja, inclusive (é claro), contra delegados de polícia, é plenamente legal, desde que presentes os requisitos de resistência à prisão e de risco de fuga ou de lesão à integridade física. 

"Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado" (grifei - Súmula vinculante n.º 11 - Supremo Tribunal Federal).

Ainda bem para a sociedade brasileira que delegados de polícia não são titulares da ação penal pública e que o valor judicial do que dizem ou escrevem não está relacionado ao cargo público por eles ocupado ou  às intenções que presidem suas ações.

E que pena que as taxas de elucidação dos delitos que efetivamente carecem de elucidação permanecem ocultas. Qual será a razão?

18/01/2012

Lavratura de Termo Circunstanciado, ato típico de Polícia Ostensiva

JUÍZO DE DIREITO DA 1º VARA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE PAULO AFONSO - ESTADO DA BAHIA.
ASSUNTO: IMPLANTAÇÃO DE TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA (TCO) PELA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL
REF. OFÍCIO Nº 060/2009 DE 21/10/2009 – DPRF - 10ª SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL – BAHIA/7ª DELEGACIA DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL DE PAULO AFONSO.
DECISÃO
R.H.
Preliminarmente, registre-se e autue-se.
O Inspetor-Chefe da 7ª DEL/PRF de Paulo Afonso/BA expediu ofício com modelo de TCO requerendo autorização para a lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência por prepostos da PRF com posterior envio do competente TCO a este JECRIM de Paulo Afonso/BA.
O então juiz de direito designado para o JECRIM encaminhou o pedido à CORG/TJBA para ciência e manifestação, tendo a Corregedoria das Comarcas do Interior, através de ofício nº 6358/2009, da lavra do então Juiz Corregedor Mauricio Lima de Oliveira, asseverado que cabia ao magistrado com atuação na unidade judiciária deliberar acerca da autorização ou não da lavratura de TCO por integrantes da PRF (cópia em anexo).
Instado a se manifestar, o MP, em judicioso parecer, se posicionou favoravelmente ao pleito.

É o relatório. Decido.

Pelos motivos já expostos pelo Parquet, em seu parecer de fls., o qual passa a integrar a presente decisão como sua fundamentação, DEFIRO o pedido formulado pelo Inspetor-Chefe da 7ª DEL/PRF.
É que, no que pese opiniões em contrário, entende este magistrado que a CF/88 não deu exclusividade na apuração de infrações penais apenas a uma instituição. Com efeito, basta um breve divisar do art. 58, §3º da Carta Magna para verificar-se que também as Comissões Parlamentares de Inquérito têm o poder de investigação própria, além de que, como é cediço, também tem essa prerrogativa o Ministério Público.
Ademais, registre-se, por oportuno, que o art. 4º, Parágrafo Único do Código de Processo penal (CPP), o qual foi recepcionado pela ordem constitucional inaugurada com o advento da CF/88, já dispunha que a atribuição da polícia judiciária para apuração de infrações
penais não exclui as atribuições de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a função.
Também é importante destacar que o inquérito policial, conforme remansoso entendimento jurisprudencial, não é peça indispensável à propositura da ação penal. Assim, se até mesmo a ação penal pode ser exercida independentemente da existência de inquérito policial, como bem salientou o MP, “raciocínio idêntico” deve ser aplicado à lavratura e posterior envio ao JECRIM para fins de designação de audiência preliminar, de que cuida a Lei 9.099/95, o competente TCO por autoridades administrativas.
Até porque entende este magistrado que a lavratura de TCO não se trata de ato de polícia judiciária como defendem os delegados de polícia, mas de ATO TÍPICO DA CHAMADA POLÍCIA OSTENSIVA E DE PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA de que trata o art. 144, §5º da CF/88, uma vez que este tipo de procedimento – TCO – apenas documenta uma ocorrência e não representa nenhum ato de investigação, sendo apenas um mero relato verbal reduzido a termo.
Ressalte-se ainda que essa questão já foi enfrentada em outras unidades judiciárias da Federação sendo objeto de acaloradas discussões que findaram com a publicação do Enunciado JECRIM Nº 34, plenamente em vigor, que admite a confecção de TCO pela polícia administrativa/ostensiva, vejamos::

ENUNCIADO 34 - Atendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar.

Destarte, considerando as peculiaridades locais, mormente a grave e crônica falta de estrutura física e de pessoal da Polícia Civil de Paulo Afonso/BA; considerando a necessidade de aumento da credibilidade da justiça e da Polícia como um todo, seja ela judiciária, seja ela ostensiva; considerando a necessidade de aumentar a fiscalização e policiamento ostensivo nesta urbe bem como a necessidade de celeridade na lavratura e autuação dos Termos Circunstanciados de Ocorrência; considerando também a necessidade de desafogar a polícia judiciária do enorme volume de procedimentos/tco’s para que esta possa cumprir bem a sua missão constitucional, sobretudo no que tange à verdadeira investigação de delitos mais graves;

DEFIRO O PEDIDO formulado pelo Inspetor-Chefe da 7ª DEL/PRF de Paulo Afonso/BA, estendendo essa autorização também à PMBA do 20º BPM com sede nesta urbe, de modo que AUTORIZO a lavratura do competente TCO por prepostos da PRF e da PMBA, devendo para tanto a PMBA observar e adotar, no que couber, os modelos em anexo ao requerimento da PRF, salientando-se por fim que no que toca à PMBA deve o procedimento ser lavrado por um oficial.
Notifique-se o ilustre Representante do Ministério Público.
Comunique-se à autoridade requerente, qual seja, o Inspetor-Chefe da 7ª DEL/PRF.
Oficie-se ao comando do 20º BPM/ PMBA de Paulo Afonso para ciência e adoção, caso seja de seu interesse, da lavratura de TCO por parte de seus oficiais.
Oficie-se ao Ilustre Delegado Regional de Paulo Afonso para ciência.
Oficie-se, por fim, à Corregedoria das Comarcas do Interior do TJBA com cópia desta decisão para os fins de direito.
Cumpra-se.

Paulo Afonso (BA), em 10 de janeiro de 2012.

Cláudio Santos Pantoja Sobrinho
Juiz de Direito

Fonte: FENEME

14/01/2012

Exceção ou regra?

Diante da opacidade não por acaso conferida às taxas de elucidação de delitos e das constantes, efusivas e, claro, ostensivas demonstrações de "êxito" na condução de "investigações", ouso concluir pela prevalência da segunda hipótese.


Talvez a costumeira apresentação de "suspeitos" à frente de painéis com logo institucional, acompanhada de regulares entrevistas - ricas em obviedades e pobres, muito pobres, em conteúdo - não chame muito a atenção da sociedade (e da imprensa) para a eventual prática de injustiça em face da qualificação e do baixo potencial de acesso ao Poder Judiciário, economicamente falando, de eventuais vítimas de "investigações" conduzidas por delegados de polícia do Rio de Janeiro.
Agora, ao mesmo agora, as coisas parecem ter fugido ao controle...
Em reiterada decisão, o Poder Judiciário do RJ apontou que a prisão do militar somente poderia ocorrer se estivesse em vigor o... 

"Estado Policial, onde direitos são solapados, acusa-se primeiro para depois provar, e expõe-se apressadamente a vida de uma pessoa ao repúdio social" (acesse a íntegra da decisão).

Já é hora de se questionar, de forma séria e objetiva, quais diretivas têm presidido ações emanadas de dirigentes da Polícia Civil do RJ e mesmo de instâncias governamentais outras que, na melhor das hipóteses, parecem estranhamente silentes diante do que vem ocorrendo.

A propósito, quais medidas serão adotadas pela Corregedoria Geral Unificada do RJ em relação ao flagrante e reiterado vazamento de gravações alusivas às interceptações telefônicas relacionadas à "investigação" ora em questão? Quem será responsabilizado?

Práticas vigentes no Estado do Rio de Janeiro, emanadas, sob o manto da impunidade, de delegados de polícia civil, representam verdadeiro risco ao Estado Democrático de Direito.

Até quando?

04/01/2012

Eis uma obra que deveria ser lida e aplicada por policiais militares e por outros operadores do Direito


Trata-se de tese de doutorado de Valter Foleto Santin,  membro do Ministério Público de São Paulo.

Em linhas gerais, aborda o Código de Processo Penal de 1941 sob o enfoque da Constituição Federal de 1988 e descortina a competência de todas as instituições elencadas no art. 144 da mesma para a apuração de delitos apontando como fundamento o mister prioritário comum a todas de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (caput do art 144).

Elucida que se mesmo a ação penal pública pode ser encetada por iniciativa de particular (ação penal privada subsidiária da pública), quanto mais um procedimento meramente preparatório da mesma como é o caso da investigação criminal.

Leciona que a exclusividade de misteres (mesmo assim, relativa) é aplicada apenas ao exercício da polícia judiciária da União, o que não se confunde com a apuração de delitos.

A diferenciação entre os misteres de polícia judiciária e de apuração de infrações penais é muito bem demarcada.

Defende que mesmo particulares podem investigar e aponta a origem de tal direito no caput do art 144 da Constituição Federal:

"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:"

As teses defendidas pelo autor, corroboradas por doutrina e jurisprudência (mencionadas), são de grande interesse social, com destaque ao acesso á Justiça, direito no qual baseia a necessidade de universalização da investigação. 

Citações:

"Se não há 'privatividade' ou 'exclusividade' no exercício de poder de maior relevância, a ação penal, referente à soberania estatal, não é razoável que haja no poder estatal de menor relevância, a investigação criminal, especialmente porque a fase de investigação é facultativa pra o exercício da ação penal e acesso ao Judiciário se a acusação possuir elementos suficientes de materialidade e autoria.".

"A destinação específica da polícia federal e das polícias civis na apuração de crimes e exercício de polícia judiciária não quer dizer que as demais polícias não possam investigar, porque o objetivo estatal é o exercício da segurança pública, que pressupõe a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.".

"A polícia não é o único ente estatal autorizado a proceder à investigação criminal; não há exclusividade. O princípio é da universalização da investigação, em consonância com a democracia participativa, a maior transparência dos atos administrativos, a ampliação de acesso ao Judiciário, princípios decorrentes do sistema constitucional atual.".

"Todos os órgãos policiais típicos (...), além da guarda municipal, são usados e destinam-se ao cumprimento do dever estatal de prestar os serviços de segurança pública, sem prejuízo do exercício do 'direito e responsabilidade de todos' retratado na possibilidade de participação do povo.".

Obra verdadeiramente focada no interesse público, não contaminada por questões classistas de categoria profissional alguma.