POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CORREGEDORIA CORONEL FRANCISCO DE PAULA ARAÚJO
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NOTANão há outra maneira de iniciar a presente nota, a não ser enaltecendo o singular trabalho elucidativo apresentado pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro em relação ao homicídio da Magistrada e verdadeira amante da Justiça Patrícia Lourival Acioli, a quem farei nova referência mais à frente.
No momento em que fui convidado pelo senhor Coronel Mário Sérgio a assumir a Corregedoria da Corporação, pude observar, com certo assombro, o quão grande era o desafio que se apresentava.
Nosso grande objetivo era a proatividade. Para que investíssemos nisto, precisávamos profissionalizar as ações de polícia judiciária militar, reduzir a burocratização de procedimentos, e atender à necessidade de parâmetros mais justos para julgamentos disciplinares.
Além disto, planejamos desde o início a busca de sede própria, com maior independência para o aparato correicional, mecanismos importantes à oferta de serviços de melhor qualidade aos militares de polícia e às demais parcelas de cidadãos que integram a sociedade fluminense. Tendo todas essas metas, aceitei o desafio!
Após estudos pormenorizados, cheguei à conclusão de que um dos principais problemas com que se deparava o aparato correicional da Corporação não era diferente do que parece representar verdadeira chaga para a sociedade brasileira e, em especial, fluminense; falo da sensação de impunidade, fruto da quase certeza de que, cometido o ilícito, ele não será elucidado.
Debruçando-me sobre dados divulgados, apenas uma vez, pelo Instituto de Segurança Pública (Boletim Mensal de Monitoramento e Análise n.º 02, tendo por base o mês de junho do ano de 2003), verifiquei que apenas 2,7 % dos homicídios registrados no RJ são elucidados e que tal elucidação é fruto, em sua maioria, de prisões em flagrante delito feitas pela Polícia Militar e não da escorreita conclusão de inquéritos policiais.
Mais à frente, diante da divulgação de estudos feitos pelo Ministério Público, percebi que tais dados eram apenas a "ponta do iceberg", havendo no Rio de Janeiro, nos últimos dez anos, sessenta mil inquéritos de homicídio sem solução; e o que é ainda mais assustador nas conclusões do MP é que em vinte e quatro mil casos, nem mesmo a vítima do homicídio foi identificada.
Era preciso realmente fazer alguma coisa e foi movido pela necessidade de buscar respostas céleres, econômicas e não burocráticas, que foi criado o Registro Policial Militar, instrumento administrativo inspirado em projeto levado a efeito em 2005, quando estive à frente do Batalhão de São Gonçalo, a partir do qual demandas de natureza inclusive criminal passaram a merecer coleta de informações e, após indicação de elementos de materialidade e autoria, remessa às autoridades competentes do Poder Judiciário e do Ministério Público.
É verdade que tal ideia não foi exclusiva do Corregedor da Polícia Militar, tendo arrimo em pronunciamentos da Justiça, de Doutrinadores, do Ministério Público e de importantes atores, como a própria e saudosa Juíza Patrícia Lourival Acioli, que participou da concepção do projeto e que, como revelam matérias diversas veiculadas à época em que estive à frente do 7º Batalhão de Polícia Militar (busquem nos arquivos reportagem de O Fluminense - 27/09/05, RJTV - 1ª edição - 05 de outubro de 2005, etc.), foi a principal autoridade a se levantar contra a ordem dada pelo secretário de então, que, atendendo a interesses políticos, determinou que parássemos com a iniciativa.
Implantado o Registro Policial Militar e confirmada sua legalidade através de decisão unânime do Tribunal de Justiça do RJ (Processo n.º 0027243-31.2011.8.19.0000), foi possível a obtenção de algumas vitórias em prol da redução da sensação de impunidade.
Os policiais militares envolvidos em agressões do âmbito da "Lei Maria da Penha" passaram a ter a questão alçada à Justiça em menos de uma semana, sendo obrigados inclusive a tratamento psicológico no âmbito da própria Corporação, o que possibilitou a redução de 33 % dos registros de agressão, ameaça, etc.
Todos os eventos em que policiais militares se envolviam em confronto passaram também a ser alvo de acompanhamento através do Registro Policial Militar que, lavrado e tendo acostados depoimentos tomados na própria Corregedoria e documentos porventura produzidos em sede de Polícia Civil, passaram a ser encaminhados ao Ministério Público, Todos os atores eram submetidos a atendimento psicológico sempre que do confronto resultasse morte. A redução das mortes foi brusca e a tendência de queda ficou patente, sendo possível à Corregedoria aferir que 2/3 dos confrontos passaram a ter resultado diverso da morte do oponente. Em um estado que hoje celebra a paz e o convívio em vez da guerra e da intolerância, esta é uma vitória.
A propósito, vale ressaltar que um projeto piloto voltado ao controle da letalidade policial especificamente em São Gonçalo vinha sendo construído em reuniões realizadas ao longo do corrente ano com a própria Juíza Patricia Acioli, tendo a última delas se dado uma semana antes de seu óbito, oportunidade em que, durante mais de cinco horas de conversa no auditório da Corregedoria, foi aquela autoridade cientificada da existência do Registro Policial Militar e da possibilidade de sua aplicação com vistas a tal mister.
Da reunião, restou pauta de novo encontro na sede da Corregedoria com a presença da própria Juíza, do Promotor Paulo Roberto (de férias por ocasião do encontro anterior), do Defensor Diamantino e da Promotora Ana Beatriz.
O projeto, avalizado pela Juíza, versava, dentre outros pontos, sobre o encaminhamento dos Registros Policiais Militares diretamente à mesma, acompanhados de laudos técnicos do Centro de Criminalística da Corporação e de oitivas e demais documentos que seriam coletados pela 4ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar.
A reunião ficou marcada para 29 de setembro do corrente ano, não tendo ocorrido por tristes circunstâncias de conhecimento de todos.
Passamos também a buscar a avaliação das próprias vítimas de policiais militares em relação ao atendimento recebido na Corregedoria e em suas Unidades Operacionais, o que descortinou índices de satisfação superiores a 90%.
Homicídios foram elucidados por nossas Delegacias de Polícia Judiciária Militar com base em simples Registros Policiais Militares e na boa vontade e técnica de nossos camaradas.
Prendemos em 12 horas dois policiais militares que se envolveram de forma triste no episódio da morte do filho de Cissa Guimarães. E os expulsamos da Corporação em menos de dois meses.
No total, retiramos da Corporação quase duzentos profissionais que não honraram a farda e o compromisso assumido perante a Bandeira Nacional.
Encaminhamos diretamente à Justiça, agilizando processos e poupando tempo e pessoal administrativo de delegacias, mais de quatrocentas ocorrências de menor potencial ofensivo, conforme manda a Lei Federal n.º 9099/95.
Construímos uma nova sede física, com espaço inclusive para despachos do Ministério Público, conferindo ainda mais transparência ao nosso trabalho.
Criamos grupos especiais para investigação, que passarão a ser incumbidos de Inquéritos Policiais Militares conduzidos dentro da própria Corregedoria.
Realizamos julgamentos semanais de Processos Administrativos Disciplinares, gerando mais de trezentas soluções.
O canal técnico com o Sr Cel Mário Sérgio foi sempre mantido e de nada deixou ele em momento algum de ser informado.
É claro que erros houve, mas a busca de acertos foi o combustível de todas as ações da Corregedoria.
Há ainda muito a falar e, quem sabe, novas oportunidades de fazê-lo.
Encerro por agora, despedindo-me da carreira ativa na Corporação da qual também são oriundos meu avô, pai e filhos, certo de que há muito por fazer para que a sociedade tenha a tranquilidade de saber que, em havendo um homicídio, haverá também ao menos a quase certeza de que o crime será elucidado, seja quem for a vítima.
Quartel em São Gonçalo, em 04 de outubro de 2011
RONALDO ANTONIO DE MENEZES
Coronel Corregedor
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