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"Termo circunstanciado gera polêmica no Rio
Marina Lemle 09/03/2007 - 00:00
A diferença de visões sobre onde termina o papel da Policia Militar e onde começa o da Polícia Civil é o cerne de uma polêmica que está pegando fogo nos círculos policiais e ecoando em sites e blogs na internet. A discussão gira em torno da possibilidade de policiais militares lavrarem termos circunstanciados para delitos de menor potencial ofensivo no próprio local da ocorrência. O recurso possibilita ainda o agendamento de data para o comparecimento das partes envolvidas ao Juizado Especial Criminal, agilizando o procedimento policial em infrações de pequena gravidade.
O termo circunstanciado é um registro de no máximo duas páginas onde são preenchidos data, horário e local do fato, qualificadas as pessoas envolvidas - autores, vítimas e testemunhas -, feito um resumo de suas versões, descritos os objetos usados (apreendidos ou não) e colhidas as assinaturas dos envolvidos, que se comprometem a comparecer perante o juiz numa determinada data. Instituído pela Lei 9.099, de 1995, o recurso já é utilizado pela PM em comarcas de diversos estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina (onde a Polícia Rodoviária também o faz), Paraná, São Paulo, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Acre.
Simpático à causa, o Comando Geral da PMERJ instituiu uma comissão de estudo da questão, que no fim de março entregará seu relatório final. A comissão é presidida pelo coronel Almir Costa, diretor de ensino e instrução da PMERJ, e tem como relator o tenente coronel Ronaldo Antonio de Menezes, comandante do 21º Batalhão, em São João de Meriti, e ex-comandante do 7º Batalhão, em São Gonçalo, onde foi realizada a única experiência fluminense de aplicação do termo circunstanciado por PMs. O secretário da comissão é o major Wanderby Braga de Medeiros, que trabalhou com Menezes no 7º Batalhão e é um blogueiro conhecido no meio policial.
A experiência em São Gonçalo durou apenas um mês, entre agosto e setembro de 2005, mas Menezes a considera um sucesso. 'São Gonçalo é o segundo município do estado em violência doméstica, só perdendo para a região da Baixada Fluminense. Encaminhamos muitas mulheres ao Centro de Atendimento à Mulher (Ceam) e demos datas aos maridos para se apresentarem ao juiz. E depois que se aparece uma vez ao juiz, a segunda é mais complicada', diz o oficial.
Menezes explica que o termo circunstanciado ajuda a aumentar o número de registros de ocorrência, já que não submete vítimas e agressores ao constrangimento de entrarem numa viatura para serem conduzidos à delegacia. Além disso, o recurso permite que o policial permaneça na sua área de policiamento, ao invés de deixar o local para levar os envolvidos à delegacia e acompanhar o processo.
Para ele, a lavratura do termo circunstanciado é uma forma de prevenção a crimes graves, pois a sensação de existir punição inibe a ação criminosa. 'Verificamos que as regiões em São Gonçalo onde havia mais homicídios eram as mesmas onde também ocorriam mais ameaças, lesões corporais, violência doméstica, rixas e brigas. Quem agride e ameaça pode vir a cometer homicídio', observa.
Outra vantagem, segundo o comandante, é a celeridade: o prazo de apresentação ao juiz é de 15 a 20 dias. 'Era coisa de Primeiro Mundo. Ganhava a população, com menos insegurança; o policial, que se qualificava, não sendo mais um mero condutor; a Justiça, com mais credibilidade; e a Polícia Civil, que podia usar o tempo em que estaria registrando ocorrências de menor gravidade para se dedicar à investigação e elucidação de delitos', afirma.
Para delegado, falta a PMs formação em direito e noções técnico-científicas
Apesar da coerência desses argumentos, a Polícia Civil vê empecilhos legais e técnicos para a lavratura do termo circunstanciado por PMs. A reação negativa de delegados à experiência em São Gonçalo levou o então secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, a suspender o serviço prestado pelo 7º Batalhão e enviar o caso para análise na Procuradoria do Estado. O parecer só saiu em dezembro de 2006, após as eleições, e foi favorável à PM.
Em artigo publicado no site da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o delegado Claudio Geoffroy Granzotto reconhece as vantagens do termo circunstanciado, mas aponta impedimentos para a PM lavrá-lo: '(...) o conceito de autoridade policial condiz somente com a figura do Delegado de Polícia, pois aquela necessitaria de conhecimento técnico-científico para desempenhar tal função, tendo em vista que ao elaborar o termo circunstanciado poderá providenciar requisições de exames periciais necessários. Somente ele, com seu conhecimento técnico-científico, poderá elaborar de forma clara uma requisição de perícia, com quesitos pertinentes ao fato criminoso. Desta sorte, cumpre salientar que a autoridade policial é obrigatoriamente bacharel em direito, com profundos conhecimentos em medicina legal, que, além de fazer parte da grade curricular da faculdade de direito, é disciplina exigida nos concursos para o referido cargo. Ademais, com a realização do termo circunstanciado por outras autoridades que não o Delegado de Polícia, a tipificação do delito estar-se-ia comprometida (...)'
O artigo levanta ainda as questões da perda do flagrante e da impossibilidade de verificação de eventuais pendências judiciais dos envolvidos: '(...) Quando se lavra um termo circunstanciado, está se dispensando a lavratura do auto de flagrante delito, liberando o autor do fato mediante assunção do compromisso de comparecimento ao juizado criminal. (...) Urge ressaltar que, com a criação das delegacias legais, o agente público passou a dispor, em tempo real, de vários bancos de dados, inclusive, podendo verificar se as partes envolvidas nas ocorrências de crime de menor potencial ofensivo estão com pendências na justiça criminal. Sendo assim, (...) eis que a referida celeridade (do termo circunstanciado feito no local da infração) não estaria em consonância com a eficiência (...)'.
Antropóloga do ISP defende realização de estudos
Para a diretora-presidente do Instituto de Segurança Pública da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Ana Paula Miranda, antes de se instituir o termo circunstanciado, é preciso 'enfrentar a discussão sobre o papel das polícias'. 'É necessário que se redefina localmente o que a polícia vai fazer em cada lugar. Além disso, o policial deve ser capacitado antes', afirma. Segundo ela, a experiência em São Gonçalo não foi boa porque os termos circunstanciados eram feitos no próprio batalhão, de 9 às 17h.
Como antropóloga, Ana Paula defende a realização de diagnósticos, projetos pilotos e estudos analíticos para que se possa fundamentar uma política pública nesse sentido. A seu ver, a questão ainda está sendo conduzida como 'bandeira'.
'Não sei se o termo circunstanciado seria avanço ou retrocesso. Precisamos monitorar um projeto piloto, de preferência numa AISP no interior, onde não há delegacia, para avaliarmos, e também abrir um fórum para debater a implementação de uma política pública, sem fugir da discussão com a Polícia Civil. Temos que tomar cuidados para fazer as coisas, ou elas parecem pirotecnia e acabamos perdendo uma boa idéia', conclui.
Em outros sites:
Elaboração do termo Circunstanciado: Ato privativo do delegado de polícia. Artigo do delegado Claudio Geoffroy Granzotto publicado no site da Polícia Civil do RJ
O termo circunstanciado é da PM! Muito obrigado, Itagiba! - Post no blog do Major Wanderby Medeiros (17/02/2007)
Lobby de delegados pode matar uma boa idéia em São Gonçalo - Blog Alerta Total, do jornalista Jorge Serrão (02/10/2005)
..."
Nossos comentários
Prefiro crer que seja ignorância o fato de a Presidente do ISP haver afirmado, conforme a matéria exposta, que o termo circunstanciado lavrado pela PM o era na sede do Batalhão, pois, como deveria saber, nossos termos eram lavrados no próprio local das ocorrências. Deveria saber não apenas pelo fato de haver sido orientadora de conteúdo de monografia por mim mesmo lavrada, como requisito da UFF para obtenção de título, em 2004, intitulada: "Toda ocorrência termina na DP. Infrações penais de menor potencial ofensivo - ilustres desconhecidas", na qual baseamos o trabalho levado a efeito em São Gonçalo, como também por haver visitado nossa Unidade em meio ao trabalho realizado, logo após haver hipotecado apoio à experiência e pouco antes de, Deus sabe lá por qual motivo, haver virado as costas ao que fazíamos.
Quais interesses movem as decisões da Presidente do ISP?
A propósito e a bem da transparência, por qual motivo não divulga as taxas de elucidação de delitos da Polícia Civil?
Sinceramente, o que Ana Paula ainda faz à frente do ISP?
Atribuição exclusiva de delegados
Eu sei que sequer precisaria voltar à questão, já que, como demonstra a matéria, a Procuradoria Geral do Estado já examinou a lide e deliberou no sentido de que os policiais militares são competentes para a lavratura de termos circunstanciados e demais providências da Lei 9099/95. Todavia, à guisa de evidenciar a desfaçatez de alguns "argumentos técnicos", gostaria de evidenciar que a competência exclusiva de delegados de polícia para a lavratura de termos circunstanciados ("bandeira" dos delegados) não foi reconhecida, ao menos em um segundo (e talvez mais conveniente) momento, nem mesmo pelo próprio delegado Itagiba, responsável pelo término da experiência de São Gonçalo, já que é de sua autoria resolução, ainda vigente, que defere tal competência a... Comissários de Polícia.
Falo da Resolução SESP n.º 843, de 28Mar06.
Íntegra da Resolução
"Resolução SESP nº 843, de 28Mar06
O SECRETÁRIO DE ESTADO DE SEGURANÇA PÚBLICA, no uso de suas atribuições legais e constitucionais;
Considerando:
- que a função policial é fundada na hierarquia e na disciplina;
- os termos da Lei nº 3.586, de 21 de junho de 2.001 que estabelece as atribuições genéricas dos comissários de polícia, da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, e, ainda o que consta do Processo Administrativo nº E-09/1775/0010/06.
R E S O L V E:
Art. 1º - Ficam estabelecidas as atribuições específicas do comissário de polícia, sem prejuízo de outras na forma da Lei:
I – executar as diligências e sindicâncias, fazendo as necessárias investigações;
II – coordenar as atividades funcionais dos oficiais de cartório policial, inspetores de polícia e dos investigadores de polícia e, ainda, preferencialmente, dos Grupos de Investigações Criminais – GICs, nas Delegacias Legais;
III – exercer, preferencialmente, as chefias da Seção de Investigação – SI, nas delegacias policiais e especializadas;
IV - providenciar para que o local de crime não seja alterado até a ultimação dos exames periciais, quando deverá arrecadar objetos, bens e valores que possam contribuir com a elucidação e, após relacioná-los, proceder a entrega à autoridade policial competente;
V – sob a supervisão dos delegados de polícia:
a) lavrar termos circunstanciados;
b) encaminhar vítimas a exame de corpo de delito;
c) solicitar comparecimento ao local da infração penal de peritos policiais;
d) expedir guias de recolhimento de cadáveres;
e) convidar pessoas cuja oitiva seja necessária à investigação policial;
Art. 2° - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
MARCELO ZATURANSKY NOGUEIRA ITAGIBA
Secretário de Estado de Segurança Pública" (grifos nossos).
Caros leitores, apenas para finalizar, gostaria de pedir que atentassem para determinadas datas envolvendo a questão do termo circunstanciado:
O parecer da Procuradoria Geral do Estado no qual é reconhecida competência da PM para a lavratura de termos circunstanciados (íntegra em postagem anterior à presente) foi lavrado em 27Dez05, portanto, apenas quatro meses após a decisão do delegado Itagiba em dar solução de continuidade à experiência desenvolvida em São Gonçalo, sob o pretexto de que tal competência era exclusiva de delegados de polícia.
A resolução que confere tal competência a comissários de polícia foi assinada pelo mesmo delegado Itagiba nos últimos dias de "sua" gestão, em 28Mar06.
A aprovação do parecer da PGE se deu apenas em 20Dez06, final do (des)governo Garotinho(a).
Coincidência?
E a permanência de Ana Paula, assessora de Itagiba, à frente do ISP, também o é?