22/11/2006

Defesa social. Algumas idéias e comentários.

Ao longo dos últimos anos, a população fluminense parece vir experimentando o agravamento da sensação de insegurança, provocando, inclusive, o crescimento de ações defensivas calcadas, em geral, na mudança de hábitos, com a auto-imposição de restrições ao direito de ir e vir e a alguns outros.
Por outro lado, o sentir da população encontra respaldo fático nos índices criminais, marcadamente no que respeita aos ilícitos penais contra a pessoa e contra o patrimônio.
Paralelamente, o estado vem gastando cada vez mais em segurança pública, aumentando efetivos e provendo crescente fomento à atuação repressiva de seu aparato armado, tanto civil como militar, com a mantença de expressivos números de mortes derivadas de confrontos, tanto de pretensos marginais da lei, quanto de policiais e civis inocentes, mesmo crianças. Os números "frios" de apreensões de drogas e armas têm sido considerado, por incrível que possa parecer, importante fator para a avaliação da eficácia de suas polícias, principalmente, a militar.
Ora, alguma coisa parece estar errada na lógica adotada, uma vez que tanto os gastos crescentes, quanto a "eficácia" oficial da polícia, não têm gerado o efeito que deveria ser desejado, qual seja, segurança; e mais, a própria atuação policial, que deveria ser um dos importantes bastiões de defesa da sociedade, tem sido fonte de insegurança para a mesma.
O que fazer?
Tentar entender a dinâmica dos acontecimentos é um bom começo. Como visto, o problema da insegurança não pode merecer soluções calcadas em paradigmas meramente quantitativos, baseados, tão somente, na elevação de gastos e no aumento de efetivos policiais. Os gastos devem ser bem direcionados, com fins específicos, e a polícia deve estar orientada aos problemas e capacitada a resolvê-los, gerando não apenas a redução dos índices criminais, mas também o incremento da sensação de segurança por parte da sociedade. A sensação de insegurança deve ser enfrentada com seu oposto e, para tal, é mister que o aparato estatal seja crível.
A impunidade é dos mais importantes fatores dos quais decorre o estado de coisas com o qual nos deparamos em matéria de segurança pública no Rio de Janeiro. Se por um lado, a impunidade não decorre apenas da incapacidade do poder executivo estadual em lidar com a criminalidade, ele pode desempenhar importante papel para sua redução e até mesmo atuar como vetor de incremento de eficácia dos demais poderes.
Como podemos fazer valer a máxima segundo a qual o crime não compensa, quando chegamos à conclusão de que nossa polícia civil está longe de elucidar mesmo a décima parte dos homicídios praticados? E o que dizer de delitos outros, também gravosos, cujas taxas de elucidação, de tão inexpressivas, são "segredo de estado"? Afinal, para que têm servido as nossas polícias? Mesmo as decantadas Delegacias Legais, para que têm servido?
O tão apregoado "combate à criminalidade" deve dar lugar à ótica mais abrangente e focada nos interesses múltiplos dos cidadãos fluminenses, representada pela concepção de Defesa Social, congregando os esforços não apenas das polícias, mas também do sistema carcerário e do Corpo de Bombeiros Militar.
Precisamos e podemos reduzir a impunidade, mas não apenas do ponto de vista externo, pois tão importante quanto fazê-lo, é garantirmos a lisura das ações de nossas polícias, através também do advento de ambiente estatal crível, com foco em maior eficácia, austeridade, unicidade e independência dos órgãos correcionais, e na concepção de que o exemplo desempenha papel fundamental na influência de comportamentos.
Não há como perdermos de vista ainda a necessidade urgente de maior transparência e mesmo previsibilidade doutrinária nas ações correcionais, permitindo controle, em tempo real, das medidas adotadas no curso dos processos administrativos instaurados.
A melhoria de imagem das polícias junto à sociedade não deve passar apenas pela necessária adoção de políticas salariais e habitacionais, de cargas horárias e mesmo de mecanismos de premiação e de punição mais adequados, satisfatórios e equânimes, mas deve ser resultante ainda de maior credibilidade por parte de seus próprios integrantes. Melhor orientadas aos problemas com que se deparam e providas de ferramentais céleres e modernos, elas tendem (e deverão ser cobradas em tal sentido) à oferta de respostas mais eficazes e melhor mensuradas. A partidarização das Polícias deve ceder lugar à profissionalização de suas ações.
A elucidação de delitos deve ser o foco principal da polícia judiciária e a polícia técnica deve receber a valorização e autonomia almejadas. Precisamos romper com o anacronismo das práticas policiais eminentemente cartorárias, quebrando paradigmas e dando lugar à profissionalização das rotinas investigativas, ainda que com prejuízo do status quo de alguns poucos.
A área de Defesa Social deve merecer concepção sistêmica, promovendo-se a unificação das atividades de TI, suprimentos e inteligência e democratizando-se o acesso à informação por parte de seus diversos órgãos, com ênfase, no que respeita aos bancos de dados criminais, aos policiais da "ponta da linha".
A otimização de recursos humanos e materiais do sistema de Defesa Social pode ser alcançado com o provimento de condições ao direcionamento direto ao poder judiciário, por parte da polícia ostensiva, das demandas criminais de menor potencial ofensivo, conforme já previsto na Lei 9099/95, através da lavratura de simples Termos Circunstanciados; de sorte que, vendo reduzida importante demanda, a Polícia Civil possa melhor direcionar seus meios ao seu verdadeiro fim e elevar suas vergonhosas taxas de elucidação.
Por outro lado, o geoprocessamento das ocorrências, aliado à despartidarização e revitalização dos Conselhos Comunitários de Segurança e das Áreas Integradas de Segurança Pública, também pode ser importante ferramenta para o êxito das ações policiais. A deflagração de medidas de natureza não eminentemente policial deve estar em pauta, principalmente tendo por foco a correlação de determinadas práticas a ilícitos penais específicos.
Ações de ordem social devem exsurgir, preferencialmente relacionadas ao próprio aparato estatal policial, como fonte de sensibilização, credibilidade e, naturalmente, prevenção de delitos.
A começar pelo próprio agente político incumbido da pasta da Defesa Social, os gerentes dos órgãos de segurança devem arcar com metas objetivas de redução não apenas da criminalidade em si, mas da letalidade policial e da melhoria de qualidade de seus serviços, aferida através de pesquisas de campo que poderiam ser coordenadas pelo Instituto de Segurança Pública.
Metas arrojadas devem ser estabelecidas para a pasta de Defesa Social e, se não cumpridas, devem acarretar a destituição de seu titular; tais metas devem ser claramente delineadas, inclusive sob a perspectiva temporal de consecução e avaliação, divulgadas e acompanhadas.
A exemplo dos processos administrativos disciplinares, as estatísticas criminais, inclusive no que respeita às taxas de elucidação de delitos, devem ser alvo de total transparência, provendo-se à sociedade parâmetros objetivos e claros de aferição quanto à obtenção da metas estabelecidas.
E assim, sabendo aonde podemos chegar, aonde queremos chegar e, mais importante, como chegar, é possível conduzir com austeridade, seriedade, profissionalismo, competência e trabalho em equipe, o estado do Rio de Janeiro a novos tempos, despertando no cidadão fluminense a clara noção da existência de propósitos sérios, bem delineados e factíveis, expressos por políticas realmente públicas e descomprometidas com interesses outros que não o bem comum para lidar com a questão da criminalidade, reduzindo de forma brusca e concreta a impunidade e, em consequência, a sensação de insegurança e seus parâmetros concretos.
Vamos virar a página?

6 comentários:

Anônimo disse...

É Major.. Sabemos a realidade dessas armas "apreendidas" e as consequências geradas por esses índices.

Anônimo disse...

Começo a pensar, que na verdade algusn estão apenas preocupados com a ascensão ao último posto, outros com a defesa de suas bandeiras isoladas...será que desse jeito algo vai mudar? Porque não fazer uma pesquisa, abrir um espaço para que opiniões sejam emitidas, a fim de que venha a tona o que TODA A TROPA julga ser importante?

Excallibur (Ten PM)

Anônimo disse...

Parabéns Najor Wanderby. A resposta ao seu comentário relativo a censura dos mesmos, mostrou a sua coerência e a sua coragem. Tenha certeza de que, a partir de hoje o senhor ganhou mais um admirador na PM.

Anônimo disse...

Caríssimo Sr Maj Wanderby,
Parabéns pela coragem, pela força de vontade e atitude. Tenho plena consciência e esperança de que estamos em uma fase de mudanças positivas, e no meu entender, o Sr. faz parte deste contexto positivamente. Apesar de por enquanto ainda estar no anonimato, estou tentando me esforçar para fazer a minha parte (sinceramente peço desculpa pelo anonimato devido ao caráter do Sr.) e gostaria de registrar que somente tece críticas negativas, quem nunca teve a oportunidade de trabalhar com o Sr. ou quem não está compromissado com a melhoria da instituição e com o trabalho.
POR UMA POLÍCIA E UMA SOCIEDADE MELHOR E MAIS DIGNA.
"Cão Brutus"

Anônimo disse...

Major wanderby, trabalhei com o sr. quando ainda aspirante, e tenho acompanhado sua trajetória desde então, confesso estar surpreso e feliz com vosso posicionamento tentando transformar a nossa casa em um lugar digno para se viver, não vai ser fácil em razão dos vícios do "coronelismo", mas tenha certeza que tem em mim um aliado atuante, não mais por causa de um arcaico e covarde RDPM, que só serve para punir praças, avante Major. gde abço

Wanderby disse...

Caro Anônimo
A conscientização da tropa acerca das possibilidades de defesa de que pode se utilizar quando da oferta de resposta ao DRD (arrolar testemunhas, pedir vistas a autos, formular alegações finais, etc) já é um bom começo para que arbitrariedades sejam evitadas, concorrendo para o nosso próprio aperfeiçoamento profissional.
Obrigado.