Inquérito Policial: “O Pior é a Impunidade”
Por Heraldo Gomes *
O atual procedimento preliminar de repressão na apuração de crimes, denominado "inquérito policial", é, hoje, diante da escalada criminal e da audácia dos marginais, um instrumento de defesa social superado, porque lento e, apenas com valor informativo, não dá pronta resposta à agressão criminal; servindo, ainda, para ensejar contradição em beneficio do acusado, pela não confirmação na Justiça dos atos formalizados na polícia.
É fato comprovado que o combate eficaz ao crime exige, entre outros resultados positivos, a redução expressiva das chances de impunidade.
Na realidade social dos povos, os motivos determinantes do crime são variados, mas, certamente, o fator acelerador da onda criminal é a impunidade, coadjuvada pela lei natural da imitação, reportada por Gabriel Tarde, pensador e jurista francês.
No campo do comportamento humano, os efeitos da impunidade são mais nocivos do que as conseqüências do próprio delito. Daí, se dizer: o pior não é o crime, o pior é a impunidade.
O inquérito policial como instrumento básico da repressão, responsável direto pelo combate à impunidade, tomou-se, com o tempo, em face da avalanche de ocorrências criminais, registradas nas grandes cidades, um meio burocrático de andamento moroso e, o que é mais dramático, usado, ainda, como linha auxiliar da impunidade, por ser, quase sempre, um documento alvo de contestação, mesmo quando elaborado e conduzido com absoluta imparcialidade, correção e veracidade, pela sempre presente possibilidade de sua não confirmação na fase judicial. O desgaste funcional do inquérito policial é notado nas páginas de seus autos, que estampa estampam seguidos pedidos de baixa, informações negativas e prazos estourados.
Ademais, na fase judicial, suas peças são questionadas no todo ou em parte, por ocasião da repetição da prova testemunhal perante o magistrado.
A nova versão emprestada às circunstâncias do crime, constatada, freqüentemente, no Fórum Criminal é conseqüência dos seguintes fatores adversos:
Esquecimento - Meses e até anos se passam entre o depoimento prestado na polícia, durante o calor dos fatos e a convocação judicial.
Intimidação - No longo intervalo, verificado entre a data do crime e a repetição das declarações na Justiça, vítimas e testemunhas são pressionadas por terceiros no anonimato, vinculados aos acusados, que fazem graves ameaças, inclusive de morte, causando, assim, pânico nas pessoas envolvidas, que, coagidas, mudam na Justiça suas declarações, ocorrendo, ainda, casos de ausência para evitar de depor.
Desaparecimento - Depois de depor na polícia, testemunhas e vítimas ficam temerosas e desaparecem, para escapar da convocação judicial.
Visto pelo lado legal, o inquérito policial é questionado à luz do texto constitucional federal, pois sua feitura no modelo atual é passível de dúvida, diante do disposto na cláusula elencada no inciso LV, do art. 5° da Constituição federal, que garante aos acusados em geral o direito ao contraditório e à ampla defesa. E isso, como é sabido, não se pratica em qualquer ato do inquérito policial, que é, desde sua remota concepção, doutrinariamente, peça inquisitorial.
Então, em resumo, acontece o seguinte: a) O inquérito policial é formulado em discordância com a norma constitucional;
b) caso o inquérito
policial não seja confirmado na Justiça, a
prova que prevalece é a recolhida pelo magistrado;
c) o inquérito policial retarda o pronunciamento da Justiça, porque repetido meses depois do fato delituoso;
d) o inquérito policial serve à linha auxiliar para obter impunidade, porque seu conteúdo conhecido de todos, por longo tempo, facilita, mediante intimidação ou outro tipo de causa, a mudança de versão na Justiça em favor do acusado, que tinha, inicialmente, contra si, incriminação na prova arrolada pela Polícia, no calor dos fatos e livre de coação.
Certamente é por tais motivos que a legislação estrangeira, majoritariamente, adota o Juizado de Instrução, como processo ágil, moderno, mais confiável e mais justo na apuração e julgamento dos fatos delituosos de qualquer natureza. No direito comparado, o inquérito policial só existe no Brasil em certos países da África.Na última Assembléia Nacional Constituinte foi debatido o Juizado de Instrução como inovação necessária no aprimoramento da prestação jurisdicional.
Todavia, o forte lobby formado pelo corporativismo policial, pelo interesse de certos advogados e pelo comodismo do conservadorismo político fulminou a possibilidade de sua adoção, mantendo o arcaico inquérito policial, mesmo em choque com o aludido preceito constitucional.
Concretamente, instituir um sistema de coleta e produção de prova criminal, através do Juizado de Instrução, resulta nas seguintes vantagens:
· Evita os atos burocráticos praticados no inquérito policial;
· acaba com a necessidade de repetição, na Justiça, da prova testemunhal;
· acelera o andamento da apuração, reduzindo o tempo decorrido entre a data do fato e o julgamento do caso;
· dificulta arranjos para obter impunidade;
· confere maior autenticidade aos atos de Polícia Judiciária, pela valorização da investigação policial;
· inibe a manipulação de testemunhas e vítimas, pelo imediato e único relato feito ao magistrado, livre de possível coação;
· representa evolução democrática na repressão criminal, pela garantia do contraditório e da ampla defesa, em plena sintonia com os países desenvolvidos.
Finalizando, resta esclarecer que, no combate eficaz ao crime, o Juizado de Instrução é fundamental na aplicação da legislação penal, em tempo certo e na sede adequada. Se adotado, seria um avanço no enfrentamento da criminalidade. Mas, como toda inovação, tem opositores, que invocam três argumentos: tradição jurídica, extensão territorial e falta de recursos. O lobby contra é forte, e a vontade política está preocupada com outras questões, que julga mais urgentes. Todavia, tudo gira em tomo do nível de segurança pública, sem o qual não há estabilidade político-administrativa, tranqüilidade e desenvolvimento. Por isso, para vencer os lobistas do conservadorismo, uma alternativa correta talvez fosse propor ao Congresso Nacional a instituição do Juizado de Instrução, pelo menos para os casos de prisão em flagrante e casos de crimes com autoria conhecida.
* Heraldo Gomes é delegado de polícia civil do Estado do Rio de Janeiro e ex-secretário de Estado de Polícia Civil do RJ no governo Moreira Franco.
O atual procedimento preliminar de repressão na apuração de crimes, denominado "inquérito policial", é, hoje, diante da escalada criminal e da audácia dos marginais, um instrumento de defesa social superado, porque lento e, apenas com valor informativo, não dá pronta resposta à agressão criminal; servindo, ainda, para ensejar contradição em beneficio do acusado, pela não confirmação na Justiça dos atos formalizados na polícia.
É fato comprovado que o combate eficaz ao crime exige, entre outros resultados positivos, a redução expressiva das chances de impunidade.
Na realidade social dos povos, os motivos determinantes do crime são variados, mas, certamente, o fator acelerador da onda criminal é a impunidade, coadjuvada pela lei natural da imitação, reportada por Gabriel Tarde, pensador e jurista francês.
No campo do comportamento humano, os efeitos da impunidade são mais nocivos do que as conseqüências do próprio delito. Daí, se dizer: o pior não é o crime, o pior é a impunidade.
O inquérito policial como instrumento básico da repressão, responsável direto pelo combate à impunidade, tomou-se, com o tempo, em face da avalanche de ocorrências criminais, registradas nas grandes cidades, um meio burocrático de andamento moroso e, o que é mais dramático, usado, ainda, como linha auxiliar da impunidade, por ser, quase sempre, um documento alvo de contestação, mesmo quando elaborado e conduzido com absoluta imparcialidade, correção e veracidade, pela sempre presente possibilidade de sua não confirmação na fase judicial. O desgaste funcional do inquérito policial é notado nas páginas de seus autos, que estampa estampam seguidos pedidos de baixa, informações negativas e prazos estourados.
Ademais, na fase judicial, suas peças são questionadas no todo ou em parte, por ocasião da repetição da prova testemunhal perante o magistrado.
A nova versão emprestada às circunstâncias do crime, constatada, freqüentemente, no Fórum Criminal é conseqüência dos seguintes fatores adversos:
Esquecimento - Meses e até anos se passam entre o depoimento prestado na polícia, durante o calor dos fatos e a convocação judicial.
Intimidação - No longo intervalo, verificado entre a data do crime e a repetição das declarações na Justiça, vítimas e testemunhas são pressionadas por terceiros no anonimato, vinculados aos acusados, que fazem graves ameaças, inclusive de morte, causando, assim, pânico nas pessoas envolvidas, que, coagidas, mudam na Justiça suas declarações, ocorrendo, ainda, casos de ausência para evitar de depor.
Desaparecimento - Depois de depor na polícia, testemunhas e vítimas ficam temerosas e desaparecem, para escapar da convocação judicial.
Visto pelo lado legal, o inquérito policial é questionado à luz do texto constitucional federal, pois sua feitura no modelo atual é passível de dúvida, diante do disposto na cláusula elencada no inciso LV, do art. 5° da Constituição federal, que garante aos acusados em geral o direito ao contraditório e à ampla defesa. E isso, como é sabido, não se pratica em qualquer ato do inquérito policial, que é, desde sua remota concepção, doutrinariamente, peça inquisitorial.
Então, em resumo, acontece o seguinte: a) O inquérito policial é formulado em discordância com a norma constitucional;
b) caso o inquérito
policial não seja confirmado na Justiça, a
prova que prevalece é a recolhida pelo magistrado;
c) o inquérito policial retarda o pronunciamento da Justiça, porque repetido meses depois do fato delituoso;
d) o inquérito policial serve à linha auxiliar para obter impunidade, porque seu conteúdo conhecido de todos, por longo tempo, facilita, mediante intimidação ou outro tipo de causa, a mudança de versão na Justiça em favor do acusado, que tinha, inicialmente, contra si, incriminação na prova arrolada pela Polícia, no calor dos fatos e livre de coação.
Certamente é por tais motivos que a legislação estrangeira, majoritariamente, adota o Juizado de Instrução, como processo ágil, moderno, mais confiável e mais justo na apuração e julgamento dos fatos delituosos de qualquer natureza. No direito comparado, o inquérito policial só existe no Brasil em certos países da África.Na última Assembléia Nacional Constituinte foi debatido o Juizado de Instrução como inovação necessária no aprimoramento da prestação jurisdicional.
Todavia, o forte lobby formado pelo corporativismo policial, pelo interesse de certos advogados e pelo comodismo do conservadorismo político fulminou a possibilidade de sua adoção, mantendo o arcaico inquérito policial, mesmo em choque com o aludido preceito constitucional.
Concretamente, instituir um sistema de coleta e produção de prova criminal, através do Juizado de Instrução, resulta nas seguintes vantagens:
· Evita os atos burocráticos praticados no inquérito policial;
· acaba com a necessidade de repetição, na Justiça, da prova testemunhal;
· acelera o andamento da apuração, reduzindo o tempo decorrido entre a data do fato e o julgamento do caso;
· dificulta arranjos para obter impunidade;
· confere maior autenticidade aos atos de Polícia Judiciária, pela valorização da investigação policial;
· inibe a manipulação de testemunhas e vítimas, pelo imediato e único relato feito ao magistrado, livre de possível coação;
· representa evolução democrática na repressão criminal, pela garantia do contraditório e da ampla defesa, em plena sintonia com os países desenvolvidos.
Finalizando, resta esclarecer que, no combate eficaz ao crime, o Juizado de Instrução é fundamental na aplicação da legislação penal, em tempo certo e na sede adequada. Se adotado, seria um avanço no enfrentamento da criminalidade. Mas, como toda inovação, tem opositores, que invocam três argumentos: tradição jurídica, extensão territorial e falta de recursos. O lobby contra é forte, e a vontade política está preocupada com outras questões, que julga mais urgentes. Todavia, tudo gira em tomo do nível de segurança pública, sem o qual não há estabilidade político-administrativa, tranqüilidade e desenvolvimento. Por isso, para vencer os lobistas do conservadorismo, uma alternativa correta talvez fosse propor ao Congresso Nacional a instituição do Juizado de Instrução, pelo menos para os casos de prisão em flagrante e casos de crimes com autoria conhecida.
* Heraldo Gomes é delegado de polícia civil do Estado do Rio de Janeiro e ex-secretário de Estado de Polícia Civil do RJ no governo Moreira Franco.