29/06/2010

Gol de placa

Não falo do percentual de reajuste salarial e nem tampouco do prazo em que será concedido a todos os militares (oficiais e praças) da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, bem como aos funcionários públicos da Polícia Civil (exceto delegados) e aos Inspetores de Segurança Penitenciária; em todos os casos, em patamares ainda menos favoráveis do que os que foram "gentil", célere e abruptamente outorgados, sob a trágica chancela de "importância estratégica" (e eu que pensava que a aplicação do conceito de estratégia em matéria de investigação criminal era quase uma sentença de impunidade), aos mais de mil delegados de polícia do RJ.
Não falo da redução de discrepância entre topos e bases das Corporações Policiais Militar e Civil, pois ela continuará a ser elevada, embora em patamares expressivamente menores do que o seriam se persistisse o intento anterior, muito mais discriminatório.
Também não falo dos soldos finalmente alcançados em janeiro de 2015, certamente e em muitos casos, ainda inferiores ao salário mínimo brasileiro.
Destaco o marco simbólico do ato, que, ouso dizer, assume configuração mais importante do que percentual e prazo propriamente ditos.
No momento em que muitos, inclusive aquele que ora escreve, estavam totalmente céticos quanto à possibilidade de reação (a gente se acostuma), ela veio.
Graças à iniciativa de um Coronel da PM do RJ - e falo do Cmt Geral, sem aspas -, interesses de dezenas de milhares de policiais (militares e civis), bombeiros e inspetores do DESIPE foram não apenas observados, mas, de uma forma ou de outra e ainda que em menor grau, contemplados.
No momento em que delegados de polícia deram mais uma demonstração clara e inequívoca de preocupação exclusiva com seus próprios (e, convenhamos, nem tão legítimos assim) interesses, deixando de lado até mesmo as muitas e justas agruras dos demais funcionários públicos de sua própria instituição e provocando (sabe-se lá com que armas) uma das atitudes talvez mais desastradas do atual governo, não faltou dignidade e coragem a um Coronel ocupante do cargo máximo na PM (do RJ) para lutar pela redução de tamanha injustiça...
E ele conseguiu!
Sei que o placar ainda nos é bastante desfavorável, mas o Cmt Geral da PM fez sim um gol de placa. Que não seja o de honra...

25/06/2010

O mais grave não é o reajuste!

Embora saibamos que a disfarçada (ou nem tanto) isonomia salarial entre delegados de polícia e promotores públicos do RJ, materializada através da concessão, às vésperas de eleição, de mais de 87% de reajuste salarial não pode ser justificada como mera recomposição de perdas do período (o “resto” dos integrantes da segurança pública teve apenas 10% de reajuste), estando, portanto, em flagrante oposição à legislação eleitoral vigente no Brasil,

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
...
VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.” (Lei n.º 9504/97).

há algo ainda pior.

A mensagem implícita na justificativa ofertada pelo governo para o ato administrativo em questão é o que deve merecer nossa maior reflexão,

o aumento é destinado a fortalecer a carreira de delegado, que é considerada pelo governo como estratégica na política de Segurança Pública

pois revela não só estranho apreço por apenas uma categoria profissional (cuja curiosa e paradoxal – o inquérito policial é sigiloso – presença nos veículos de comunicação passou a ser lugar comum), mas, o que é ainda pior, desprezo por todo o “resto” dos operadores da segurança pública, incluindo, é claro, os funcionários públicos da mesma instituição a que pertence a citada categoria (ou não?).
Ainda que o pomposo reajuste tivesse por fundamento taxas de elucidação de delitos de percentual similar ao mesmo (quais são elas?), não haveria justiça na medida isolada adotada.
Quem de fato realiza as investigações nas delegacias de polícia?
Na fase processual, tem valor o depoimento colhido pelo delegado (por ele mesmo?) ou a evidência científica produzida pelo perito?
Claro que a medida suscita mais interrogações...
O que pensam (e farão) a respeito as associações do “resto” das classes?
O que fará o secretário de segurança?
O que disse ou dirá o comando da PM do RJ?
O que levou a ALERJ a referendar a medida?
O que fará o Ministério Público com atribuição eleitoral?
Qual é o sentimento que aflora nas dezenas de milhares de homens e mulheres que arriscam sua integridade física no dia-a-dia da (in)segurança pública do mesmo estado cujas bases hierárquicas das instituições afins recebem, por oposição, os piores salários do Brasil?

17/06/2010

Pátria de chuteiras

Pensei em começar dizendo acreditar que a eventual eliminação do Brasil na copa - estamos em ano eleitoral (coincidência?) - seria menos maléfica do que benéfica à sociedade brasileira, mas cheguei à conclusão de que seria, no mínimo, incompreendido.
Pensei em enaltecer o choro de emoção do atacante nipônico da seleção norte-coreana durante a meia execução do hino do mesmo país, mas talvez fosse tachado de "comuna" ou de admirador de Kim Jong-il, coisas que não sou.
Pensei então em ficar calado, mas...
Em tempos de "Mega Feirão Ricardo Eletro para policiais militares (...) com desconto em folha, sem avalista, sem consulta ao SPC e ao SERASA", emerge no cenário do RJ mais uma grande oportunidade para que torcedores da Corporação comprometam um pouco mais seus sofríveis soldos (não sei se sabem, mas são os mais baixos do Brasil) para, quem sabe, adquirir em "n" prestações aquela TV de LCD e, no intervalo entre uma e outra segurança/serviço, sob os auspícios de algumas itaipavas/cintras e de uma ou mais latas de salsichas, torcer pelo hexa do Brasil.
Em tempos de eleição, incomoda observar declarações de agentes políticos - para falar apenas do "topo" - integrantes de gestões em vias de ser findas, justificando viagens à África do Sul e Inglaterra sob o pretexto de que "temos que aprender" para fazer por cá em 2014 e 2016. Temos? Nós? Nós quem???

Viva o Brasil e as vuvuzelas sul-africanas...

(Fonte da foto: http://oglobo.globo.com/fotos/2010/06/15/15_PHG_drummond.JPG)

E deixemos pra lá a criminalidade e a impunidade que, apesar da fortuna por "nós" investida em marketing para sobrepujá-las, continuam a teimar em produzir reflexos fáticos e regulares em nossa "Cidade Maravilhosa".
Pouco importa se inocentes continuam a morrer e se a não elucidação de crimes persiste como chaga intocada.
Pouco importa se o Instituto de Segurança Pública dá cambalhotas e oculta dados de interesse... público.
Pouco importa a extinção do Batalhão de Trânsito da PM e o emprego de "investigadores" em... operações de trânsito.
Pouco importa se agouros oriundos da Procuradoria Geral do Estado (e não só dela) revelam funestos, desproporcionais e ilegítimos reflexos sobre os já combalidos servidores da segurança pública.
Pouco importa se funcionários públicos denunciados por improbidade administrativa permanecem no exercício de funções de destaque no âmbito da gestão da segurança pública do RJ.
Pouco importa o descarado uso da máquina pública para a obtenção de fins particulares.
Pouco importa a óbvia conivência de autoridades com o jogo do bicho, com as máquinas caça-níqueis e com outras representações de práticas delituosas "menores".
Pouco importa o trapo que é o serviço do "novo 190" e menos ainda o fato de que, por incrível que possa parecer, tal "serviço" funciona fora da Corporação responsável por sua oferta.
Pouco importa se mais uma vítima, agora, fotógrafo da Reuters, passou pelo infortúnio de ser assaltada e, em seguida, submetida à burocracia cartorária patrocinada pela Secretaria de Segurança para fazer o simples registro do delito que, ao final, servirá muito mais para eventualmente reorientar a presença policial ostensiva e, quando muito, apenas deslocar o intento criminoso, do que para gerar a elucidação do delito e a prisão de seu autor antes que faça outras vítimas.

"O pior de tudo não foi ser roubado, mas a demora no atendimento para fazer o registro..." (Bruno Domingos, cuja máquina fotográfica foi subtraída quando da obtenção de imagens da estátua do poeta Carlos Drumonnd de Andrade com a camisa da seleção do Brasil - Jornal O Globo, 16/06/2010).

Pouco importa que a "pátria de chuteiras" (nike, adidas ou puma?) seja talvez nosso mais visível, frenético, marcante e alienador momento de mobilização "ufanista".

Vamos torcer pelo Brasil na copa... E não nos esqueçamos da PEC300...