Hoje, aparentemente mais do que ontem, tem sido comum nos depararmos com grandes operações ostensivas levadas a efeito por parte de servidores públicos da Polícia Civil do RJ.
Tais operações, em que participam funcionários de diversas delegacias "especializadas", paramentados das mais variadas formas, têm logrado cobertura quase cinematográfica da mídia fluminense. Helicópteros, homens de preto, roupas camufladas, coletes os mais variados, toucas ninja, etc, têm feito parte do cotidiano das ações da polícia investigativa do RJ.
Como resultados de tais operações, temos visto apreensões de armas, drogas e mortes, não poucas mortes e não apenas de supostos criminosos, mas também de inocentes, mesmo crianças.
Diante de tal quadro e de seu potencial lesivo, urge que façamos algumas reflexões.
De quem é a atribuição para a diferenciação entre o caráter suposto e expresso de tais criminosos vitimados? E de quem é a competência para a individualização de condutas delituosas eventualmente praticadas pela própria polícia no curso de tais operações?
A competência é da polícia investigativa do RJ. Da mesma que, travestida de "Rambo" e leniente em relação aos seus próprios abusos e desmandos, parece estar sendo direcionada a tudo, menos à sua atribuição precípua, que é investigar e elucidar delitos.
E por que elucidar delitos é tão importante?
Por que impunidade é força motora de delitos. Embora seja fato que a mera presença ostensiva da polícia pode deslocar determinadas práticas criminosas, somente a (quase) certeza de aplicação da sanção penal (seja ela qual for) poderá refletir a máxima de que "o crime não compensa".
Mas, a propósito, como anda a polícia investigativa fluminense no quesito "elucidação"?
Estranhamente, as estatísticas oficiais da segurança pública do RJ, disponíveis a partir do sítio de seu Instituto de Segurança Pública (www.isp.rj.gov.br), não fazem menção a tal quesito nem mesmo quando abordam a denominada "produção policial".
No único momento em que foram divulgadas (Boletim Mensal de Monitoramento e Análise, ano I, nº. 02, julho/2003), as taxas de elucidação de delitos ostentadas pela Polícia Civil (delegacias legais) eram as seguintes:
Roubo a banco - 2%
Roubo de carga - 5,4%
Roubo em estabelecimento comercial - 3,7
Roubo a transeunte - 3%
Roubo em residência - 4,5%
Roubo em coletivo - 3,9%
Homicídios dolosos - 2,7%
Parece pouco? É menos ainda, uma vez que contemplam até mesmo as prisões em flagrante que, convenhamos, tendem a ser muito mais numerosas tendo por origem policiais militares do que civis.
Talvez realmente não seja de bom alvitre - "politicamente" falando - tornar a realizar a divulgação de tais taxas. Afinal, em o fazendo, a gestão da segurança pública estaria fomentando a idéia de que tal quesito tem importância no contexto de sua pasta.
Buscando dados alusivos a realidades distintas, em que talvez investigadores sejam menos ostensivos e mais eficazes, temos taxas também bastante distintas e, não por acaso, índices criminais menos desfavoráveis à população.
Segundo o sociólogo Ignacio Cano, países como Inglaterra, Austrália e os da Escandinávia têm uma taxa de elucidação de homicídios entre 50% e 75%.
No Japão, as taxas chegam a impressionantes 90%. Suas taxas de homicídios estão entre as menores do mundo.
Em Curitiba, PR, no ano de 2006, 40% dos homicídios registrados na delegacia especializada foram elucidados. No mesmo ano, a média mensal de registros do RJ quase atingiu a totalidade do ano no PR.
Nos Estados Unidos da América, 65% dos homicidas são levados a julgamento.
De acordo com artigo publicado na Folha de São Paulo em 03/12/2006, de autoria de José Alexandre Scheinkman, estimativas do efeito de punições na taxa de criminalidade indicam que se a polícia fluminense atingisse a metade da eficácia que a polícia americana exibe na resolução de crimes, os homicídios no Estado cairiam quase 40%.
No RJ, descontando-se as prisões em flagrante delito, as taxas de elucidação de homicídios caem para impressionantes 0,7%. Significa dizer que a cada cem homicídios praticados, nem mesmo um chega a ser elucidado.
Considerando que temos mais de quinhentos homicídios por mês em média no estado, chegamos à calamitosa conclusão de que nem mesmo quatro chegam a ser elucidados.
Começa então a fazer sentido a sensação de que a vida humana vale quase nada no Rio de Janeiro, onde a polícia judiciária é ostensiva, possui letalidade singular, utiliza "fardas" e viaturas cada vez mais ostensivas, luta com unhas e dentes para impedir a autonomia da perícia criminal e o encaminhamento de pequenos delitos diretamente ao poder judiciário por parte dos policiais militares, e ostenta com orgulho esquadrões e "tropas" de elite.
No Rio de Janeiro, onde a atuação dos dirigentes da polícia investigativa transita entre o "saber jurídico" e as "táticas de guerra", a impunidade, fruto da absoluta ineficácia do sistema de investigação criminal, punge e prospera.
No Rio de Janeiro o crime compensa.
Major de Polícia
Wanderby Braga de Medeiros